AGENDA CULTURAL

12.6.15

Racional

Antonio Luceni*
  
Você pode até não gostar, mas dizer que os caras não são poderosos, aí são outros quinhentos. Refiro-me ao show dos Racionais MC’s, ocorrido no último sábado (30), na grade de shows da Virada Cultural Paulista 2015, responsável por um dos públicos recordes de apresentações em Araçatuba. A polícia militar divulgou algo em torno de 40 mil; já os organizadores do evento disseram passar de 50. Araçatuba é mais pagã do que cristã, já que nem a Marcha pra Jesus (três vezes menor) nem o show de Thales Roberto, cantor gospel, (duas vezes menos gente) conseguiram superar o número. O público composto, em sua maioria de adolescentes e jovens, cantou letra por letra entoada pelos muitos MC’s no palco; dançou a cada batida produzida pelos DJ’s (4 ao mesmo tempo no palco) e um som ensurdecedor que andou com o vento por quilômetros através da cidade. Nem a chuva nem o frio fizeram com que os jovens ficassem em casa, incluindo os muitos vindos da região.

Com letras desafiando o status quo de muitas vertentes sociais, parece mesmo que as verdades postas pelos Racionais ainda são questões muito presentes e latentes no universo social brasileiro: fome, miséria, preconceito, injustiças sociais, lutas de classes, drogas, embate com a política, entre outros... Sem pudores, expuseram tudo isso, se expuseram e provocam. Sim; os socos dados no ar, o “palhaço” e suas firulas no palco, entre “otras cositas mas” fazem do grupo algo que eu reputo importante em qualquer artista: viver o que faz e não somente interpretar, fazer de conta que é.

Digo isso com toda sobriedade do mundo e com o peito aberto. Sim, porque de verdade não é um tipo de música ou grupo que me atraia, mas sei reconhecer quando alguém faz o que faz bem feito; aí o gosto fica em segundo plano. Os caras conseguem dialogar com um público, por vezes, ignorado no universo do mundo adulto, dos que “regem” o País, dos que estão envoltos numa redoma intransponível de saber, de erudição, que não dão conta de dialogar com estes... Se de fato queremos – e é fato que precisamos – conversar com nossos adolescente e jovens, de abrir um canal para identificar seus gostos e anseios, suas angústias e preocupações, talvez, o caminho seja ter humildade e aprender com quem faz isso com excelência.

Nessa altura já deve ter surgido algum tipo de pensamento preconceituoso a despeito disso ou daquilo sobre o que o grupo é ou deixa de ser, sobre o que nossos jovens gostam ou deixam de gostar, sobre tantas outras coisas para as quais fechamos os olhos, endurecemos o coração e mente e continuamos batendo de frente, alimentando nosso orgulho e nosso jeitão de ser. O fato, também, é que esse novo século será, sim, o momento das grandes rupturas, da quebra de tabus, da revisão de paradigmas sobre vários temas que ficaram por séculos jogados debaixo do tapete, como se não existissem e evitando ao máximo tratar deles. Essa galera que está aí, no entanto, não usa de hipocrisia, revira todos eles, faz uso deles e nos desafia para o combate.

Vai encarar?

*Antonio Luceni é jornalista e escritor.


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