Tharso José Ferreira
Tal passeio, com minha fama de ter parafusos de menos na cabeça, me deu a oportunidade de descobrir, ao parar em um ponto de leitura empoeirado, invenção lançada que não dá certo em um país analfabeto.
Descobri, por um destes acidentes que acompanham um escritor barato como eu, um livro enterrado na poeira de Geraldo da Costa e Silva, o Pratinha, que quase confundi o nome, por conta do pó, com um antigo General Presidente. Pratinha é um sujeito meio sério, introvertido, de rosto fino e delineado que ocupa uma cadeira lá na Academia Araçatubense de Letras e que aparece quando lhe dá na telha.
Médico de profissão, portanto, cargas d’água, eu jamais o imaginaria entendedor de futebol! É do que trata o seu livro, “Do mundo da bola”, admiravelmente escrito onde se condensam histórias surpreendentes do planeta do futebol. Imagino, cá comigo, que ele sofra da mesma enfermidade que eu: ler escrever, escrever, ler.
Em casa, à noite, li a edição de imaculada beleza, num fôlego. Literatura boa é como rapariga boa, a gente aprecia inteirinha numa noitada só. Com uma garrafa de café entusiasmei-me de suas histórias. Soube de lembranças enterradas de Pelé que não sabia. Datas, números, dias, gols. Nomes e peripécias de craques que nunca ouvi falar.
Pratinha, agora sei, é um excêntrico que faz uma descrição exata de suas aventuras em meio ao regozijo de sua obra inconfundível que gostaria que alcançassem todos os olhos, todas as mãos daqueles que amam o futebol.
Nossas vidas são gêmeas, só separadas pelas montanhas sociais em cujos cimos se erguem grandes obeliscos invisíveis. Junto à minha janela, frente ao céu coberto de estrelas, sentindo o aroma de café misturado com o odor de poeira, Pratinha me fez vibrar com suas histórias, pequenos castelos que também são meus.
Gritei por dentro lendo seu livro com os olhos de criança que um dia fui. Lembrei-me dos momentos desordenados de minha juventude inconsequente, aos gritos de pra frente Brasil, sem entender muito bem das coisas do meu tempo magnético onde o futebol tinha honras de dever social.
Vou agradecer sempre esta tarde que saí andando sem rumo e dei de cara com Pelé, Ademir da Guia, Rivelino, Garrincha, Leônidas da Silva, Periquito, Bauer, Tuta. Todos cobertos de pó, mas imortalizados pelas páginas mágicas do velho Pratinha, escritor fecundo que me honra sentando comigo no mesmo lugar onde sentam os poetas, os anárquicos, os romancistas, os contistas, enfim, os sonhadores de vida tão fecunda quanto seus personagens...Diabo de homem este Geraldo da Costa e Silva, que senta a milímetros de mim, escreve como ninguém, e não me diz lhufas sobre isso. Os escritores costumam ter extravagâncias incompreensíveis, mas nunca o silêncio.
Contra ti não farei nenhum discurso rebelde, mas me permito uma queixa: a de não sermos amigos. No próximo bar vou atrever-me, com, ou sem sua presença, erguerei um copo de bom vinho pelas coisas que desfrutamos separadamente, sem nos conhecermos, só me recusarei a usar esta tua faixa tricolor, pois amo outra faixa, mas vou querer ouvir pessoalmente histórias amareladas que você selou tão bem em seus livros sobre futebol com nossos craques inesquecíveis que continuarão imortais no frescor de seu livro e no decoro intelectual. Já me faço teu amigo inseparável antes que me conheças.
Se a vida com seus segredos duais não nos uniu, sua literatura com sua expressão mitológica e o mais arrebatado aroma de poeira o fizeram por nós quando não temos mais os delírios de menino.
*Tharso José Ferreira é escritor, acadêmico da Academia Araçatubense de Letras
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