AGENDA CULTURAL

12.5.16

A liberdade de pensar diferente

Hélio Consolaro*

Como secretário municipal de Cultura de Araçatuba de um governo até então dirigido por um prefeito petista, mas aglutinando um grande grupo de partidos, como acontece em Brasília. Tive um estagiário trabalhando na biblioteca municipal Rubens do Amaral.

E daí? Como todo estagiário, um adolescente prestando serviço numa repartição pública. Nenhuma novidade, mas ele tinha uma militância política que não era da esquerda.
Eu sabia disso, nunca o tratei diferente por isso, afinal sou um democrata, portanto tenho o dever de aceitar os contrários e os diferentes. Além disso, cumpria com todas as suas obrigações.

Aliás, ter esse comportamento de tolerância (ou melhor, aceitação do outro como ele é) não me exige grande esforço. Quem me catequizou para a adesão ao cristianismo me ensinou essa grande lição. Às vezes, perco a calma com a incompetência de meus comandados, mas nada que passe de um grito.   

Como já fui barrado no baile, muitas vezes por questões  ideológicas, não ia fazer o mesmo com o estagiário.

Mas o ele não se conteve ao quadradinho da biblioteca, foi para as ruas. E saiu em fotos postadas no Facebook e foram publicadas em jornais. Podia haver apenas dez pessoas no movimento político, pois o estagiário seria uma delas. Não se tratava de algo passageiro, era uma opção forte.

Porém, nem todos meus companheiros de governo pensavam (ou não pensam) da mesma forma. Numa reunião, alguém mais exaltado pediu que eu desse um jeito no menino.

Respondi-lhe que o estagiário exercia sua cidadania. Afinal, lecionei por décadas para jovens e sempre ensinei que as pessoas precisam participar da vida política do país. E ele era um exemplo, a diferença é que escolhera o outro lado. Como não existe democracia de partido único, ser cidadão é procurar os seus iguais. E o assunto foi encerrado.

Estou contando isso porque, às vezes, nesse momento de exaltação política no país, está havendo um desrespeito pelo ponto de vista do outro, chegando ao xingamento e às cusparadas. A nação é como uma família, ninguém pensa igual, precisa haver a convivência.

De repente, chegou às minhas mãos o pedido de demissão do tal estagiário. Procurei saber o motivo, a sua chefa imediata me disse que ia participar da campanha política de seu partido, portanto, achou melhor conviver mais de perto com os seus, se empenhar.

O estagiário soube respeitar o espaço público durante o seu trabalho e descobrir o momento de tomar sua decisão mais radical.   


*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário municipal de Araçatuba-SP de 2009-2016.

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