AGENDA CULTURAL

22.6.16

A Lua caiu na real


Hélio Consolaro*

A lua cheia estava bonita no céu, solitária como uma mulher bela numa festa, pois sua beleza era inacessível, já que ninguém tinha olhos para ela. Assim era de todos, mas não tinha alguém.  

Nas ruas, ninguém olha para o céu, nem descobre a Lua, porque senão bate o carro. As luzes da cidade ofuscam o brilho da Lua, a claridade de neon torna o satélite opaco. Nem os enamorados das baladas de uma sexta ou sábado à noite fazem declarações de amor românticas, porque o luar ficou num alpendre de um bangalô de um sítio rural na curva da estrada do tempo.

Houve algum romântico renitente que criou uma balada no sítio, num antigo engenho, apelidando o local de “Engenho Sertanejo”. O lugar virou o ponto mais frequentado, era diferente, bucólico, mas ninguém levantava o pescoço para ver a Lua. Foi uma frustração.

Engana-se quem achar que as badaladas da cidade são frequentados por moçoilas e imberbes rapazes. Não, também estão lá, mas misturados com madurões solteiros, casados e descasados, até mais idosos (e idosos) a pescar naquela lagoa diversa. E agora surgiu uma nova classificação: héteros e homos.



Muitos urbanoides acham que a cidade vai dormir ao escurecer ou pensam os mais tolerantes que ela ressona depois da meia-noite. Mal sabem que é depois do uivo do lobisomem, na sexta-feira, que ela pulsa. Começa a funcionar a indústria da vida noturna.

Não são os desocupados, boêmios empedernidos, com pele macilenta que saem pela noite adentro em nossas cidades. São nossos filhos que saem de casa às 23h, as funcionárias da loja, seus colegas de trabalho, desmaridadas ou desmulherzados, gente que labuta a semana toda e quer espairecer nos finais de semana à procura de um rosto lua.



E o luar não clareia mais, deixa os lobisomens desambientados, mas a Lua continua a jogar seus raios sobre os enamorados que a ignoram, não é vingativa, não sonega suas bênçãos. Ela não é mais citada nos versos, nem nas declarações de amor porque ela sabe que não é o centro do mundo, como a estrela Sol, sendo apenas um satélite. Caiu na real.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Academia Araçatubense de Letras.


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