AGENDA CULTURAL

15.4.17

Procurando a saída da cidade

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E todo mundo agradecia o meu serviço, mas ninguém compreendia de onde havia saído aquele doido. 

Igreja Matriz de José Bonifácio, São João Batista
Hélio Consolaro*

Outro dia visitei um colega dos tempos de faculdade noutra cidade, nem Penápolis, nem Araçatuba, era José Bonifácio. Deu-me uma saudade daqueles tempos estudantis. Coisa de aposentado, inventando o que fazer. A Helena topou, e fomos.  

Iniciamos a conversa pelo Facebook há algum tempo. Conversa vai, conversa vem. E marquei a visita, fui rever o cara depois de 45 anos. O encontro de dois velhos que se conheceram rapazes. A página dele não me forneceu muitos dados. Não apresentava sua mulher, nem falava em filhos. Netos? Nem pensar!

Chegamos lá, o sujeito é metido na política local, mora sozinho, não tem filhos. Adotou a frase final do livro "Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis: "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria". 

Aposentado também. Arrumou uma amiga para lhe fazer par e almoçarmos juntos num restaurante. Casou e descasou algumas vezes e não teve filhos.

Andamos pela cidade que não era grande, contou todas as brigas políticas locais (e eu fugindo disso), mostrou um conjunto habitacional, e lá me deparei com a placa da LOMY Construções. Quanto mais eu rezo, mais o diabo aparece. 

- Compareçam em Araçatuba, esperamos por vocês. Voltamos.

O melhor não havia acontecido, aquilo que mereceria uma crônica. Quando a gente escreve, procuram-se as peculiaridades do mundo, tudo acontece, basta ter olhos para o diferente que surge no cotidiano. 

Procurando a saída da cidade, descemos uma rua e topamos com um semáforo fechado. Em nossa frente, havia um guincho que não saía do lugar. O sinal abria e fechava e ele nada de se mexer. Até que um comerciante saiu de sua loja, debaixo de chuva, e nos comunicou que o guincho estava quebrado. Atrás de nós havia uma fila quilométrica de carros que também esperavam.

O que fazer? Mexa-se! Lembrei-me do guarda-chuva que trago no carro, meu companheirão. Debaixo de chuva, saí do carro com ele aberto, pedindo para cada motorista em seu veículo sair de ré ou de qualquer jeito, porque o caminhão estava quebrado. E a chuva malhava.

Assim, devagarinho, cada motorista foi se virando e o meu carro o próximo depois do guincho ficou livre. Para que os outros motoristas não entrassem de novo naquele quarteirão,  fiquei na esquina com  chapéu, guarda-chuva aberto, chuva pesada, orientando o trânsito como se um guarda fosse. Juro que me lembrei do finado Tati, um morador de rua que andava com apito e se metia a orientar o trânsito de Araçatuba.

A situação foi aliviada, a Helena saiu com o carro, ficamos livres e fomos embora, mas perdemos quase meia hora. Sem querer, fui guarda de trânsito. E todo mundo agradecia o meu serviço, mas ninguém compreendia de onde havia saído aquele doido. 

Para quem queria ser prefeito de Araçatuba, acabou sendo guarda de trânsito em José Bonifácio. Não ria, caro leitor.

*Hélio Consolaro, professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Araçatuba

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