AGENDA CULTURAL

15.4.17

Percorrendo a caminhada de Sebastião Salgado em sua via sacra


Quando menino, eu chorava em filmes da Paixão de Cristo, nesta Sexta-Feira Santa (2017) voltei a chorar assistindo ao documentário sobre Sebastião Salgado

Os 14 quadros da via sacra que são dependurados nas igrejas católicas
Hélio Consolaro*

"O exercício da via-sacra (composta de 14 estações), como também é chamada, consiste em que os fiéis percorram, mentalmente, a caminhada de Jesus a carregar a Cruz desde o Pretório de Pilatos até o monte Calvário, meditando simultaneamente na Paixão de Cristo. Imitação da via crúcis" (Wikipédia).

Em plena Sexta-Feira da Paixão, busquei alguns filmes na Netflix recomendados por blog de meu amigo. Dentre vários, estava lá o documentário "O sal da Terra", sobre a vida do fotógrafo Sebastião Salgado. Ele é brasileiro, mas o documentário foi dirigido pelo alemão Wim Wenders, narrado em francês. 

Não sei se o universo conspirou ou foi obra do Espírito Santo sobre a escolha, mas vivi a via sacra da espécie humana pela tela, inclusive a 15a. estação, que é a Ressurreição. 

Depois de registrar tanta miséria, tanta guerra, tanta desgraça em sua fotos em preto e branco pelo planeta, ele resolveu fazer alguma coisa por ele, ou seja, transformar a seca e arreganhada Fazenda dos Salgados, no município de Aymorés-MG, que um dia foi verdinha na sua infância. Reflorestou, repovoou de bichos e recriou cachoeiras.

Quando menino, eu chorava em filmes da Paixão de Cristo, nesta Sexta-Feira Santa (2017) voltei a chorar assistindo ao documentário.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras

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Capa do documentário

O sal da Terra

França, Brasil, 2014. 110 min. Documentário. Direção de Wim Wenders e Juliano Ribeiro Salgado.

Crítica de  Rubens Ewald

Foi uma pena não ter estreado no Brasil antes do Oscar, quando foi indicado oficialmente ao prêmio. Já se temia que não fosse ganhar, não porque não merecesse, a meu ver é sem dúvida o melhor da safra. Um trabalho delicado, sincero, de fazer chorar. E pensar muito. Muito superior ao vencedor o confuso CitizenFour, mas todo mundo sabe que os americanos são muito auto-centrados e ignorantes dos problemas no resto do mundo. Ganhou, porém em Cannes, Prêmio Especial do Júri no Un Certain Regard, mais o César de melhor documentário, foi indicado ao Goya e Independent Spirit. Ganhou ainda nos Festivais de San Sebastian e Munich, ambos importantes.

Eu gosto muito também do documentário brasileiro feito sobre Sebastião Salgado e que foi premiado em Gramado, dirigido por Betse de Paula (que não consta do IMDB), chamado Revelando Sebastião Salgado (13), feito na intimidade de sua casa em Paris, por vezes muito revelador e descontraído. Não é melhor ou pior que este, é diferente. Aqui ele tem uma chance maior de revisar toda sua carreira, aprofundar a obra e até a vida pessoal. Mas é um filme pesado porque simplesmente ele por diversas vezes caminhou em pleno inferno e não se consegue nem imaginar como conseguiu escapar relativamente ileso. Ao menos de cabeça (ainda que confesse, um pouco surdo).

Sou admirador confesso da obra de Sebastião, de quem tenho adquirido as obras e ficado de queixo caído com seu poder de captar instantâneos de vida e morte, de lugares e momentos, com uma sensibilidade (e piedade!) que o levam num determinado momento do filme ao desabafo: chegando a conclusão de que o ser humano realmente não presta, não tem saída, está fadado a destruição. Embora seja fácil compartilhar desse pensamento vendo as imagens que ele captou dos incêndios de poços petrolíferos no Kuwait, das mulheres e velhos que fugiam do Sérvios, dos fugitivos de Rwana que se esconderam nas florestas do Congo, com a morte certa. De crianças que estão morrendo de fome com uma coragem inacreditável.

Wim Wenders se apresenta como admirador de Salgado, primeiro descobrindo-o por acaso numa exposição, depois basicamente ouvindo o artista enquanto relembra seus livros mais importantes, os lugares mais notáveis chegando a uma conclusão muito feliz, que é o seu retorno ao Brasil, a velha fazenda dos pais em Minas Gerais, que ele com a mulher de família conseguiu reflorestar como Mata Atlântica e hoje já é um parque. Só na natureza encontra a resposta para uma compreensível angústia em ser um repórter de guerras...

O filho participa com mais discrição já que Sebastião Salgado é a grande figura como artista e como ser humano. Confesso que tive lutar contra a emoção de muitos momentos que ele retratou. E achei a floresta a solução perfeita para encerrar este belo e sensível documentário.

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