Hélio Consolaro*
"O exercício da via-sacra (composta de 14 estações), como também é chamada, consiste em que os fiéis percorram, mentalmente, a caminhada de Jesus a carregar a Cruz desde o Pretório de Pilatos até o monte Calvário, meditando simultaneamente na Paixão de Cristo. Imitação da via crúcis" (Wikipédia).
Em plena Sexta-Feira da Paixão, busquei alguns filmes na Netflix recomendados por blog de meu amigo. Dentre vários, estava lá o documentário "O sal da Terra", sobre a vida do fotógrafo Sebastião Salgado. Ele é brasileiro, mas o documentário foi dirigido pelo alemão Wim Wenders, narrado em francês.
Não sei se o universo conspirou ou foi obra do Espírito Santo sobre a escolha, mas vivi a via sacra da espécie humana pela tela, inclusive a 15a. estação, que é a Ressurreição.
Depois de registrar tanta miséria, tanta guerra, tanta desgraça em sua fotos em preto e branco pelo planeta, ele resolveu fazer alguma coisa por ele, ou seja, transformar a seca e arreganhada Fazenda dos Salgados, no município de Aymorés-MG, que um dia foi verdinha na sua infância. Reflorestou, repovoou de bichos e recriou cachoeiras.
Quando menino, eu chorava em filmes da Paixão de Cristo, nesta Sexta-Feira Santa (2017) voltei a chorar assistindo ao documentário.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras
*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras
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Capa do documentário |
O sal da Terra
França, Brasil, 2014. 110 min. Documentário. Direção de Wim
Wenders e Juliano Ribeiro Salgado.
Foi uma pena não ter estreado no Brasil antes do Oscar,
quando foi indicado oficialmente ao prêmio. Já se temia que não fosse ganhar,
não porque não merecesse, a meu ver é sem dúvida o melhor da safra. Um trabalho
delicado, sincero, de fazer chorar. E pensar muito. Muito superior ao vencedor
o confuso CitizenFour, mas todo mundo sabe que os americanos são muito
auto-centrados e ignorantes dos problemas no resto do mundo. Ganhou, porém em
Cannes, Prêmio Especial do Júri no Un Certain Regard, mais o César de melhor
documentário, foi indicado ao Goya e Independent Spirit. Ganhou ainda nos
Festivais de San Sebastian e Munich, ambos importantes.
Eu gosto muito também do documentário brasileiro feito sobre
Sebastião Salgado e que foi premiado em Gramado, dirigido por Betse de Paula
(que não consta do IMDB), chamado Revelando Sebastião Salgado (13), feito na
intimidade de sua casa em Paris, por vezes muito revelador e descontraído. Não
é melhor ou pior que este, é diferente. Aqui ele tem uma chance maior de
revisar toda sua carreira, aprofundar a obra e até a vida pessoal. Mas é um
filme pesado porque simplesmente ele por diversas vezes caminhou em pleno
inferno e não se consegue nem imaginar como conseguiu escapar relativamente
ileso. Ao menos de cabeça (ainda que confesse, um pouco surdo).
Sou admirador confesso da obra de Sebastião, de quem tenho
adquirido as obras e ficado de queixo caído com seu poder de captar
instantâneos de vida e morte, de lugares e momentos, com uma sensibilidade (e
piedade!) que o levam num determinado momento do filme ao desabafo: chegando a
conclusão de que o ser humano realmente não presta, não tem saída, está fadado
a destruição. Embora seja fácil compartilhar desse pensamento vendo as imagens
que ele captou dos incêndios de poços petrolíferos no Kuwait, das mulheres e
velhos que fugiam do Sérvios, dos fugitivos de Rwana que se esconderam nas
florestas do Congo, com a morte certa. De crianças que estão morrendo de fome
com uma coragem inacreditável.
Wim Wenders se apresenta como admirador de Salgado, primeiro
descobrindo-o por acaso numa exposição, depois basicamente ouvindo o artista
enquanto relembra seus livros mais importantes, os lugares mais notáveis
chegando a uma conclusão muito feliz, que é o seu retorno ao Brasil, a velha
fazenda dos pais em Minas Gerais, que ele com a mulher de família conseguiu
reflorestar como Mata Atlântica e hoje já é um parque. Só na natureza encontra
a resposta para uma compreensível angústia em ser um repórter de guerras...
O filho participa com mais discrição já que Sebastião
Salgado é a grande figura como artista e como ser humano. Confesso que tive
lutar contra a emoção de muitos momentos que ele retratou. E achei a floresta a
solução perfeita para encerrar este belo e sensível documentário.
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