AGENDA CULTURAL

6.5.20

Aos 41, tive coronavírus e achei que ia morrer, por Gustavo Viana

 
Tudo começou com uma tosse seca lá para o dia 15 de março. Depois veio o enjoo e, quando me dei conta, já estava com febre, mal-estar geral, dor de cabeça, dor no corpo, cansaço extremo e tontura. E o mais estranho: perdi totalmente o paladar e o olfato.

Nos primeiros dias, foi bem assustador. Em alguns momentos, realmente achei que fosse morrer em casa ou na porta de algum hospital. A doença castiga muito o corpo e a mente – quando parece que você está melhorando, no outro dia acorda novamente prostrado, com dores no corpo, enjoo e fraqueza. O ápice da doença veio em 23 de março, quando passei a madrugada febril e amanheci como se tivesse sido atropelado.

Considerei várias vezes ir ao hospital, mas não queria contribuir para comprometer o já saturado sistema de saúde. Acabei não indo porque a febre passou e por achar que, por não estar “literalmente morrendo”, seria mandado de volta para casa, como aconteceu com tantas outras pessoas. Fiquei bem impressionado com a história do rapaz que foi ao hospital três vezes, foi mandado embora e morreu em casa. Ele era maratonista e tinha 26 anos. Essa é apenas uma das dezenas de histórias semelhantes.

Contei com a ajuda remota de um médico, que receitou antibiótico, anti-inflamatório e repouso absoluto. A febre durou apenas dois dias, mas os demais sintomas desagradáveis persistiram por cerca de duas semanas e os mais leves se arrastaram por quase um mês. Com a ausência de paladar e olfato, aliada ao enjoo, a alimentação ficou estranha e o prazer natural da alimentação se esvaiu. Perdi três quilos.

Tenho 41 anos e não tenho nenhuma das doenças que intensificam a gravidade do vírus. Também não sou mais o atleta que fui na época de juventude, mas pratiquei exercícios físicos durante toda minha vida. A verdade é que a doença não escolhe vítimas, tanto que já morreram pessoas de todas as idades, raças, posses, crenças e ideologias -– defensoras ou não da teoria do terraplanismo. Em suma, não é, nem de longe, uma mera gripe ou um resfriadinho. A Covid-19 é muito pior que a pior das gripes.

Minha preocupação maior sempre foi evitar o contato com meus pais, já idosos, e com meu sobrinho, que tem diabetes. Não queria preocupá-los, então achei melhor não falar nada para eles até a minha situação melhorar – ou piorar de vez.

Como fui infectado antes do início da quarentena em São Paulo, em 24 de março, é difícil saber onde peguei a doença, mas desconfio que tenha sido pela minha namorada, que trabalha em uma clínica dermatológica. Ela também ficou doente e teve mais sintomas e episódios de falta de ar do que eu. Outras três funcionárias da clínica também pegaram a Covid-19.

Claro que a doença atinge cada um de forma diferente. Eu senti bastante os sintomas, mas quase 8 mil pessoas no Brasil perderam suas vidas. Em todo o mundo, são mais de 3,5 milhões de casos confirmados e 250 mil mortes.

Imagine acompanhar diariamente as notícias sobre a morte de milhares de pessoas pela doença que você tem? Enquanto enfrentava os fortes sintomas, tinha a impressão de que não receberia tratamento adequado se fosse a um hospital superlotado. Em muitos momentos, temi pela minha vida.

A escalada dos números de infecções e mortes no Brasil não estava me fazendo bem. A despeito de ser jornalista, as notícias haviam se tornado inimigas. Para amenizar a ansiedade e a preocupação, parei de acompanhar o noticiário.

Quando a doença começou a pegar para valer, eu estava procurando emprego e participando de alguns processos seletivos. No entanto, a busca por uma vaga fixa se mostrou inviável. Recebi várias mensagens de que a vaga teria sido “cancelada”, “adiada” ou “congelada”. A crise gerada pelo coronavírus já chegou às redações e dezenas de jornalistas estão sendo demitidos.

O objetivo deste relato é exatamente alertar que a doença é real e que pode atingir, castigar ou até matar qualquer um – não só velhinhos de 80 anos ou mais, ou aqueles que nunca foram atletas. Quando acontece com alguém que conhecemos, tudo fica mais palpável e menos abstrato, deixa de ser apenas uma estatística fria de telejornal.

Gustavo Viana 
Jornalista com 20 anos de experiência em redação, assessoria de imprensa, mídias sociais, comunicação interna e edição de livros. 

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