AGENDA CULTURAL

29.5.20

Combate desigual



 Antônio Reis*

Uma guerra injusta, se é que existe guerra justa, estrangula um lado profundamente mergulhado no cruel combate. A destruição avança sobre um dos campos de batalha, onde se posiciona o lado mais fraco, apesar de mais numeroso. Do lado massacrado, as armas são precárias e escassas, como uma segunda Canudos, que teima em resistir. A artilharia inimiga parece mirar justamente os estrategistas dos esfarrapados. 

Nesta sexta-feira, 29 de maio do ano a ser esquecido, a baixa no exército massacrado é o jornalista Gilberto Dimenstein, vitimado por câncer no pâncreas e fígado. O talentoso paulistano, com passagem pelos grandes veículos de comunicação do país, fez da escrita sua arma de combate à corrupção, de promoção dos direitos humanos e da cidadania. Com vários livros publicados, entre eles “O Cidadão de Papel”, ganhador de um Jabuti, Dimenstein tem trabalhos premiados aqui e no exterior, como o site Catraca Livre, que tão bem representa o conceito de “acupuntura social”, defendida por ele, que significa pequenas ações voltadas à promoção da cidadania e inclusão social.

O desaparecimento de Dimenstein fará muita falta num momento que o inimigo avança com ferocidade sobre o exército esfarrapado, formado por assalariados, negros, favelados, gays, ambientalistas, defensores dos direitos humanos, artistas e a todos que têm a vida como bem supremo. Identificado com os valores democráticos, o jornalista combateu o bom combate porque enfrentou o nanismo moral e suas marionetes. Teve a genialidade de mostrar quem são e o que fazem os donos do poder e seus sabujos. Por isso, Dimenstein fará muita falta. Um combatente a menos, um duro golpe na cultura e na cidadania do país. Uma referência do jornalismo que influenciou muitos profissionais bem sucedidos.

Da mesma forma estão fazendo falta Clóvis Rossi, Otávio Frias Filho, Ricardo Boechat, Paulo Henrique Amorim e Nirlando Beirão, que tombaram nos últimos dois anos, e tinham na escrita cotidiana a arma de combate à sordidez de seres que se julgam humanos. São perdas imensas em tão pouco tempo. E num tempo em que chove ácido no lombo de quem tem sangue nas veias e coração no peito.  

O combate tem sido desigual, pois na contagem das vítimas, percebem-se as baixas em apenas de um dos lados combatentes, enquanto o outro avança com a artilharia da maldade, ódio, mentira e desprezo pela vida. E ainda há quem acredite que Deus é brasileiro.

*Antônio Reis é jornalista e ativista do Grupo Experimental da AAL (Academia Araçatubense de Letras).

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