AGENDA CULTURAL

10.5.20

Crianças idosas - Gervásio Antônio Consolaro


Quero pedir licença aos leitores para prestar uma homenagem a minha querida mãe. Augusta Fortin Consolaro, com 93 anos.

      Eu e o mano Hélio, diretamente e o Alberto e Luís à distância, auxiliados por cuidadora e pelas noras, cuidamos dela: teimosa, de forte personalidade, como matriarca filha de italianos, quer controlar tudo ainda, participar de toda conversa, mesmo com certa deficiência auditiva, quer estar junto, sempre conversando sobrr o passado, claro, mas de um coração imenso e de uma vida dedicada à família e aos filhos.

      Obrigado, mãe, por ter corrido todos riscos em me dar a luz na zona rural nas mãos de parteira, de trabalhar de sol a sol na roça para ajudar no sustento da família.

      Obrigado, mãe, pelo apoio ao meu pai, para que pudessem estudar os 4 filhos a ser alguém na vida, como diziam na época, embora houvesse muito empenho dos parentes para que não o fizessem com o argumento de que “vocês estudam os filhos depois de formados, lhes dão um  pé no traseiro”.

     Obrigado, mãe, por ter acordado com a gente às 4 horas da manhã, todos os dias, o ano inteiro, quando fiz o Tiro de Guerra.

     Obrigado por levar as reprimendas com umas boas chibatadas, por não fazer as tarefas da escola e ficar só brincando na rua, quando a família mudou para a cidade em 1961 e não fazer algumas tarefas domésticas estabelecidas já que em alguns meses do ano era pai e mãe, dado que meu pai Luís era carpinteiro de currais e cercas, e se alongava para as fazendas distantes da região até cumprir o contrato com o fazendeiro.

      Obrigado por brigar com o meu pai em minha frente, como qualquer casal, me mostrando involuntariamente como é o dia a dia de uma casamento, agravado por falta de dinheiro para sustentar a casa e quatro filhos.

      Acreditamos que os pais são eternos, imutáveis, que estarão próximos quando surgir a necessidade. Mas eles adoecem e morrem.

      Se é certo que os pais um dia vão adoecer e partir, por que não organizamos a nossa vida para acolhê-los? Por que não assumimos sua gestação? Por que não reduzimos o ritmo da carreira para darmos sentido para os seus últimos dias?

      Há filhos que abortam seus pais dentro do coração, e os enterram precocemente, antes mesmo do velório. Abandonam os pais no asilo. Largam os pais para a temeridade violenta da solidão.

     Não deveríamos procurá-los só quando precisamos. É transformar o amor em interesse, é converter a ternura em assistencialismo.

    Filhos demoram para a empatia. Caminhamos com um ano, falamos com até dois anos, levamos décadas para avançar na generosidade.

    Nossos pais foram envelhecendo, foram se fragilizando, foram precisando mais de nós. E como não precisávamos tanto deles, ocupado com o nosso trabalho e as nossas relações, não demos a devida atenção que eles mereciam. 
       
        Por fim, meus caros, este artigo é uma tentativa de ser mais pai de minha mãe, e devolver um pouco do que recebi dela na infância.

         Pelo menos, serve como um pedido de desculpa. 

*Gervásio Antônio Consolaro, ex-delegado regional tributário do estado, agente fiscal de Rendas aposentado. Assessor executivo  da Prefeitura de Araçatuba, administrador de empresas, contador, bacharel em Direito e pós-graduado em Direito Tributário .


(Crônica publicada no jornal Folha da Região, 06/05/2020) 

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