AGENDA CULTURAL

1.7.20

Esbranquiçando o chão da barbearia


Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Há quanto tempo corto meus cabelos. Há sete décadas. Corto, não. Cortam por mim. Meu primeiro barbeiro, improvisado na precisão, foi o meu pai. 

Comprou uma tesoura e uma máquina manual para cuidar da cabeça dos quatro filhos homens. Depois, iam ficando mocinhos, procuravam um barbeiro de estimação.

Nem me lembrava bem disso. Espremi a memória e me veio tal recordação, por isso e por outras me satisfaço com a escrita, vou passando minha vida a limpo, faço minha reflexão todos os dias, tão necessária... Nunca fiquei cabeludo por falta de tesoura, só na época do iê-iê-iê, mas também foi por pouco tempo.  

A Helena, que tinha alguma noção de cabeleireira, já cortou por alguns anos os meus lindos cabelos. Os filhos foram chegando, ela me mandou para o famoso salão dos machos, pelo menos se achavam. E assim fiquei. Atualmente, nesse tempo de pandemia, sou um cachorro sem dono, pois o meu barbeiro é um morador das antigas realidades.    

Antigamente, os cabelos bem pretos se avolumavam ao pé da cadeira. No final dos trabalhos, o barbeiro recolhia a ceifa com vassoura e pá.  Na velhice, cabelos ralos, o período entre cortes aumentou e o piso esbranquiçou.

As mulheres cuidam mais de seus cabelos, tanto da cabeça como de outras regiões. Fui desbastar as axilas aos 70 anos. Elas rapam tudo, ficam lisas.

A barba é uma presença indesejada, conforme a época histórica. Só observar as imagens de Jesus Cristo e Tiradentes. Ou a gente tem, bem cerrada, ou não tem. Homem de barba rala, exposta, é um escândalo, que é o meu caso. Na minha rebeldia juvenil, deixava o cavanhaque.  

Outro dia via um filme muito bom de Roman Polanski "O oficial e o espião", 2019, cujo cenário era a França no começo do século 20, onde não havia personagem homem sem bigode. Deu a impressão de que a diferença entre masculino e feminino era apenas o bigode. 

Conforme a gente vai ficando velho, vai virando lobo, as vibrissas no nariz não param de crescer, as dos ouvidos ficam um escândalo. Lugares íngremes, cujo corte fica difícil. Mas a natureza não manda esses cabelos extras à toa, dizem que eles protegem o idoso, resquícios dos tempos das cavernas.      

Parece que peito cabeludo, tipo Tony Ramos, é símbolo da masculinidade para as mulheres. O cara fica ainda mais parente do macaco, mas é o charme. 

Vou parar por aqui, caro leitor, para não chegar nos por debaixo, por que é uma região que produz muitas piadas, e nela mulheres e homens se bem diferenciam. Eu estou de saco cheio de cabelos brancos, não quero pintá-los.

Ao cortar os cabelos me sinto o cachorrinho indo à tosa, vivendo na savana como dois animais.

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2 comentários:

Unknown disse...

Pungente reflexão. eu não corto meus cabelos faz meses. Resolvi que vou usar rabo-de-cavalo, ainda com os poucos fios que me restam. Desejo de juventude nunca realizado. As axilas estão carecas, pois o tempo levou tudo. É curiosa a distribuição pilífera que o passar dos anos apresenta: caem os do alto do cocuruto, aumentam os nas orelhas e narinas, perdem-se as matas axilares.

Anônimo disse...

Kkkk genial.