AGENDA CULTURAL

17.3.21

O egoísmo que mata - Reynaldo Passanezi Filho


Festas de fim de Ano, Carnaval; temos o direito de nos divertir, somos filhos de Deus. E então esquecemos as recomendações de isolamento social e saímos para uma ou mais baladas. Somos jovens, é só um gripezinha, que mal irá fazer? Assim tudo começa, com uma narrativa que justifica a transgressão, baseada no egoísmo da diversão, na ausência de preocupação com o outro e com a saúde pública.

Contaminação ocorre, mas será só uma gripezinha. A balada valeu a pena. O pai, desesperado, se preocupa. Quer visitar o filho contaminado, mas esquece de se proteger. O filho é mais importante que a máscara ou a proteção. Leva-o ao hospital, a tal gripezinha já não parece tão branda. Com alguns dias de isolamento, o filho supera o vírus.

Mas o espectro do vírus segue sua rota, agora o pai está contaminado. A negação do risco e a ignorância de achar que não é nada muito sério impedem-no de proteger os outros, e ele segue sua rotina normal, visitando entes queridos, pessoas dos grupos de risco. Esquecendo de considerar que esteve em contato com alguém contaminado.

A história se repete. Aqui não foi o egoísmo da diversão, mas o negacionismo de achar que a pandemia é um exagero e que nada acontecerá com ele. E o negacionismo de não se ver como vetor de transmissão para pessoas dos grupos de risco. Novamente, mais pessoas contaminadas, agora sim aquelas do grupo de risco. Isoladas, em casa, não resistem à entrada do vírus pelas pessoas que vão visitá-la e que negligenciam o uso de máscara e o isolamento pós contato com pessoas infectadas.

A gripezinha no pai é mais intensa que a gripezinha no filho. Oxigênio é necessário. O pai se assusta que a doença pode ser séria. Mas também resiste. Depois de dez dias, está recuperado, embora com alguma sequelas.

Mas a história não termina aí. Aquela pessoa do grupo de risco também está contaminada, a despeito de nunca ter saído de sua casa. E a doença vem mais séria para ela. Esperado, cantado em verso e prosa. Mas pouca gente entende. O preconceito predomina. Deixam-na isolada em casa, na vã ilusão de que ela é forte e que o vírus é fraco. A depressão e o isolamento agravam os sintomas, a fortaleza emocional e física começam a ser dilapidadas.

E o médico, sobre ocupado, só atende por whatsapp, prescreve uma receita fixa, independente das características individuais de cada paciente, com muitos medicamentos sem comprovação científica. Confie na ciência, confie no teu médico. As estatísticas estão a nosso favor. Nunca perdi ninguém. Te vejo em trinta dias. De longe, diz que é preciso controlar a saturação, alugar um oxigênio para ficar em casa. Quase entra na visão de que é uma gripezinha se as prescrições médicas forem seguidas à risca.

Quantas vezes essa história se repetiu, com quantos resultados trágicos. As UTIs estão hoje lotadas, a maior parte devido ao pós Ano Novo e pós Carnaval. Por sorte, no caso em que reporto, o qual vivi, o final foi feliz. Conseguimos superar todas essas negações com ação, com firmeza para reconhecer o risco e tomar atitudes. Transferimos a pessoa infectada do grupo de risco para um hospital de referência e, depois de quase um mês de internação, intubação e todo o cuidado, e também de quase toda uma cidade na torcida e nas preces, os quais só tenho a agradecer, ela está recuperada, feliz e grata por ter superada uma doença traiçoeira e letal. 

Que esse artigo seja um alerta para tantos quantos tem sofrido essa indiferença e essa politização da doença. Posso lhes garantir, o coronavírus não é uma gripezinha, é uma doença traiçoeira e letal. A intubação não é uma brincadeira de criança, só ocorre para estados de saúde grave ou gravíssimos. As taxas de mortalidade nesses estágios são muito elevadas. As sequelas pós COVID podem ser muito sérias. A reabilitação é longa.

O egoísmo da diversão em primeiro lugar, a ignorância sobre os riscos da transmissão ao não usar os instrumentos comprovados de máscara e isolamento social, o negacionismo reiterado de que não me afeta e é só uma gripezinha ou uma doença séria limitado aos doentes e fracos, tudo isso só ajuda a espalhar o vírus e o pânico, aumentando o número de mortes, e muito.

Vamos trocá-los pelo amor, amor ao próximo, reconhecendo que a minha diversão sem proteção pode impactar terceiros queridos que não devem sofrer só porque eu quero me divertir; amor ao ente querido, respeitando que o uso de máscara e de isolamento é necessário quando alguém tem contato com uma pessoa infectada para evitar novas contaminações; predomínio da ciência sobre o negacionismo e a ignorância; não é uma gripezinha, é uma doença muita séria e altamente contagiosa; confiança na ciência e nos resultados comprovados, não em crenças em remédios milagrosos. Enfim, com amor, com os reconhecimentos dos avanços da ciência, vamos todos nos vacinar, por favor! e claro com muita fé em Deus, podemos e vamos sair dessa pandemia com menos fatalidades, com uma humanidade mais solidária e com a beleza da vida para comemorar entre todos nossos entes queridos.

Fica a dica de quem conseguiu contar uma história com happy end. Que a gente mude nossos comportamentos e que as histórias sejam repletas de happy end. É possível, cada um tem sua parte a contribuir
!
 
*Reynaldo Passanezi Filho, 55, natural de Araçatuba, economista e advogado

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