Essa não é uma história de ficção, mas pode ser surrealista.
Estou infectada pelo Covid-19. Hoje estou exatamente no décimo terceiro dia desde o início dos sintomas. O isolamento de um ano não bastou para me livrar desta experiência. E assim, um vírus que resolveu brincar de esconde-esconde nos corpos humanos invadindo o que temos de mais precioso para a vida, até deixá-los esgotados, entrou no meu próprio corpo. Eu não o queria, ninguém quer.
Palavras consoladoras, paliativas, que tragam esperança, consolo? Os meios de comunicação estão repletos delas. Então eu não as direi porque cada um espera o que cultiva dentro de si.
Estou triste, embora nunca tenha sido assim. Sempre procurei cultivar alegrias à minha volta e, às vezes até extrapolei cantando as belezas que podia não sentir com a intensidade que as mostrava para os outros.
E aqui estou... Isolada no meu pequeno quarto alternativo, em tratamento sob orientação médica, com tempo bastante para repassar minha vida: o que fiz, o que deixei de fazer ou para fazer depois. E o depois é incerto para mim. Só Deus sabe se tenho um prazo para chegar lá. O passado se alonga; o futuro se encurta acomodando-se em algum lugar que ainda não sei qual é. Faço minha parte, mas a outra pertence àquEle que tudo comanda.
Não sei como reagiam as pessoas diante das pandemias anteriores a esta, mas acredito que tenha sido de muito mais medo (porque de perder a vida sempre se tem medo), pois não tinham o amparo da Ciência e Tecnologia que temos hoje.
E eu aqui, perco-me a recarregar meu celular para contactar amigos e parentes que, com suas mensagens virtuais, tentam preencher meu dia e dar-me ânimo. Fico antenada às horas de tomar uma parafernália de comprimidos paliativos. Ponho e tiro máscaras, lavo as mãos, encho-as de álcool na tentativa de cerco ao vírus que neste momento comanda a minha vida porque é o todo poderoso nesta pobre humanidade. Nada nem ninguém é mais majestade do que ele e nem sei se o será um dia.
Ah! Se não fosse o WatsApp (que significa, por ironia da situação, “e aí?”) que consegue aliviar meus pensamentos nos grupos de relacionamentos em interação controvertida: cumprimentos diários, notícias boas e ruins, músicas, piadas, politicagens, eventos, orações, artes e muito mais, que acabam por preencher minhas horas de solidão, eu não sei como atravessaria este período.
Quanto às orações... quanta transformação: os grupos sociais transformaram-se em igrejas virtuais ecumênicas onde as religiões se entrelaçam buscando fé e esperança para os desesperados... As mensagens são um apanhado de consolo, carinho, caridade e solidariedade. Todas buscam no Deus único a salvação da humanidade. Nunca tantas preces subiram ao céu num coro de tantas vozes.
A verdade, no entanto, é que ninguém pode passar por mim o que passo agora, e é cedo para conclusões otimistas ou pessimistas. Só existe a espera. Durmo, acordo, me levanto, deito-me, novamente, me levanto, sento-me, escrevo. Devo repousar o máximo, mas me dá uma vontade de fazer coisas triviais de dona de casa, das quais eu tanto reclamava.
Sei que muitos não têm a felicidade de estarem como eu e se encontram em hospitais ou em filas de espera para serem atendidos. Muitos entes queridos estão indo embora sem a dignidade que a morte sempre exigiu. Sei também que os dedicados profissionais da saúde, que começaram há um ano nesse atendimento, estão estafados, exaustos, desanimados e até desesperados pela impotência do momento. E você, leitor, por certo estará pensando: “Quanto pessimismo!
Não! Sou otimista por natureza e até conhecida como Pollyanna. Mas aprendi que a realidade nem sempre é grávida de sonhos. Às vezes ela gera pesadelos como este que vivemos agora. Existe, porém, no relógio natural do tempo, algum horário em que essa realidade encontra o Divino e gera verdadeiras maravilhas para nossa felicidade. Em vida? Em outra vida? Após essa vida? Não sei. Mas sei que será.
E o meu quarto me acolhe, me acalma, enquanto escrevo e aguardo o resultado de tantas atitudes incoerentes dos seres humanos que ainda não entenderam ser preciso mudar os rumos de nossa própria humanidade. E que isso se faz somente por meio do outro, a partir de mim.
Encerro este capítulo que escrevi especialmente para as pessoas que, como eu, vivem o real, aceitam as circunstâncias, mas fazem tudo que podem para mudá-las para melhor.
*Marilurdes Martins Campezi - Academia Araçatubense de Letras
11 comentários:
Você está bem graças a Deus. Pensar assim, criar um texto como este mostra que sabe enfrentar a situação e dá ânimo a todos
Que MARAVILHA, Lula!
Melhoras, minha amiga.
Já, já, isso será passado.
Força e fé.
Wanilda Borghi.
Um texto lúcido e realista da minha amiga Lula. É muito grave o que ocorre em nosso país e não me agradam mensagens de um otimismo ilusório ou fé vazia. A batalha é
grande e nos desafia. Desejo a Lula que se restabeleça logo e que a sua alegria continue a nos encantar.
Lindo texto escrito por uma merecedora de fazer parte da Academia Araçatubense de Letras...muito verdadeiro e humano...
Disse da nossa insegurança, medos e consciência da real gravidade e esperanças! Deus nos guarde! E a vc!
Deus tende misericórdia nos fortaleça em seu poder e nós cure desta peste que assola nosso planeta
Obriada? Ademar. Todos fazemos o possível.
Oi minha amiga Lula. Gostei muito do seu texto também estou tendo sérios problemas de saúde E como você disse o que me consola são WhatsApp Facebook. Estou com saudades de você e da nossa turma. Que Deus proteja todos nós meu abraço virtual para você boa noite
Um texto magistral, dos mais oportunos e que traduz a angustiante realidade presente na vida de milhares de pessoas.
A sua mensagem revela esperança apesar de tudo e nos exempla, caríssima confreira Lula e oro pelo seu pronto restabelecimento.
Fique em paz e um fraternal abraço.
Antenor
Que Deus nos ajude fortalecer nossas orações para o seu restabelecimento .
Acredito que ELE não vai nos ega
Negar.Vc vai sair dessa com sua força e o amor de todos os amigos que te amam e oram por você.
Difícil momentos, estamos sob a vontade do Pai Celestial,precisamos muito de orações fervorosas para vencermos .Parabéns pela cronica.
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