AGENDA CULTURAL

30.7.21

Comer o resto

 

Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

O criador criou suas criaturas, mas deu a elas um habitat em que possam sobreviver, o que nós chamamos de meio ambiente, do qual nos alimentamos. E também os outros seres vivos. 

Se alguém ainda não entendeu a frase "Deus é pai", eu acho que devia ser "Deus é mãe", como disse o papa João Paulo I, justamente por isto: construiu um paraíso para o ser humano habitá-lo. 

Deixemos para lá essa questão de gênero de Deus para  outra hora, fiquemos na alimentação. Aí fomos dividindo a terra em propriedades e aconteceu a desgraça de um ter muito e o outro nada, nem abrigo e nem comida. 

O podcast do jornal Folha de São Paulo chamado "Café da manhã" (28/07/2021) discutiu em áudio o miserê em que está vivendo o povo miúdo de nosso Brasil. Há 19 milhões de brasileiros convivem com a fome diariamente. 

A inflação já está tirando da mesa do brasileiro a marca registrada de nosso cardápio: arroz feijão, e também o gás. Em Cuiabá-MT, açougue doou ossos à população, houve uma fila infernal. É comer o resto, quando tem. 

A fome não é vontade de Deus, é fruto do desamor praticado por uma parte da espécie humana, os egoístas. A exploração do homem pelo homem. 

Na minha infância miserê, ouvi muito nas conversas dos adultos a palavra carestia. Perguntei para o meu pai o que era isso, ele respondeu:

-É essa quirera de arroz que comemos todo dia!

O arroz quebrado e o feijão bandinha estão sendo a saída de muitos brasileiros para não passarem fome. Aqueles grãos de feijão que vinham à farta no feijão comprado, hoje é retirado na empacotadora, separado e vendido em saquinhos também pela metade do preço. 

No Rotary, quando promovemos feijoada beneficente, na escolha do feijão (muitas embalagens) não se acha mais os caroços rachados. Escolher feijão caiu de moda, mas lá no Rotary ela é feita por uma questão de segurança. 

Carne bovina, então, sumiu. Muitos deixaram o hábito de reunir aos domingos família ou amigos e queimar uma carninha, tomar uma cerva. A picanha, por exemplo, está com preços proibitivos até para a classe média. Nem sentimos muito a falta do fumaceiro, da conversa fiada do churrasqueiro e das piadas do pessoal da diretoria por causa do isolamento imposto pela pandemia.

Disse o ex-presidente Lula que ficava realizado em seu governo, quando via trabalhadores e famílias queimando carne, tomando cerveja, mas agora é outro governo. 

A democracia tem disso, nem sempre se escolhe o melhor, mas a gente conserta na próxima eleição.      

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