AGENDA CULTURAL

25.4.22

Comecemos a assoviar


 Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Araçatuba-SP

Cada um carrega em suas atitudes a história de suas vivências. Com a idade, isso fica mais evidente. No jeito de se relacionar com os netos, na maneira de viver sua aposentadoria. Tudo que parecia automático perde o sentido, ganha espaço a poesia.

Inácio queria que eu brincasse com ele no quintal da casa, não correspondi a seu pedido, meu filho disse-lhe: "seu avô só interage com palavras", não brinca. Essa observação me levou para minha infância, não me lembro de um adulto ter brincado comigo. Brinquei sim, mas apenas entre nós, crianças.  

Nunca pratiquei esportes, a não ser algumas peladas às escondidas, porque futebol era coisa de malandro. Minha família era pobre, mas europeia, não se misturava com a gentalha.

Apesar disso, mentalmente fui me modificando, perdendo o ranço, mas não chegou a refletir no corpo. Sou um brincalhão, mas de boca. Brinco com meus netos, mas chamando-os cada um por uma perífrase, assim por diante.

Assoviar era condição exigida de um menino. Para não dizer que não toco nenhum instrumento musical, assoviava músicas que ouvia no rádio.

Li a notícia de que um sujeito, homem erado, em Brasília, agrediu violentamente um adolescente. O fato teria ocorrido na tarde deste sábado (23/04/2022), na quadra esportiva da terceira avenida da Vila Nova Divineia, no Núcleo Bandeirante, no Distrito Federal, porque ele chamava a sua mãe por meio de assovio . Isso foi motivo de irritação do adulto e as ofensas evoluíram para agressão. 

“Eles moram um de frente pro outro, o adolescente chega em casa, assovia e grita para a mãe abrir o portão, e isso incomoda o rapaz”, explicou Eduardo Ribeiro Machado, 32 anos, servidor público e vizinho dos envolvidos.

Para você entender a crônica, caro leitor, transformo-a quase em notícia, me perdoe. 

O adolescente de 14 anos teria dito: “Você não vai me bater, porque não é meu pai”. Na verdade, nem o pai pode bater mais. O agressor, então, respondeu: “Você vai ver se eu não sou seu pai”. Depois disso, o menor de idade foi para a quadra esportiva, o homem o seguiu e o espancou. Afirmou a notícia do site. 

A agressão se consolidou e foi filmada, sempre há um celular como testemunha, indo para as redes sociais. E um cronista de Araçatuba-SP resolveu meter o bedelho e escreveu este texto. 

O adulto agressor não é normal, se irritar com um assovio de adolescente! Quando no meu bairro se jogava bola na rua, as crianças tinham suas bolas rasgadas a faca por um vizinho neurótico.

Então, o adulto agressor é fruto de uma educação torta que foi lhe deixando marcas n'alma. Sempre digo que pais, mães (ou a falta deles), às vezes, fabricam monstros.

Assoviar, brincar, rir, gargalhar faz bem para nossas vidas. Então, caro leitor, vamos assoviar? Ou você mora em condomínio, cheio de exigências? Eu assoviei na minha infância porque morei parte dela na zona rural, com muita largueza. Meu assovio não incomodava ninguém, fazia isso quase para mim mesmo.  

Vivemos atualmente encaixotados, em espaços pequenos, os donos da Terra foram nos deixando cada vez com menos lugar. Vamos revolucionar? Comecemos assoviar!   

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Um comentário:

Unknown disse...

Meu pai quando chegava em casa do serviço pra nos chamar era no assobio lá no portão de casa , hoje eu não ouço mais o assobio , sinto muita saudades .