AGENDA CULTURAL

6.10.25

Roque Soares da Silva, multiplicador de cidadania - Marcos Francisco Alves

 

Dr. Roque Soares da Silva está entre Cido Sério e Marcos Francisco Alves 

Roque Soares da Silva foi advogado, professor universitário e ativista araçatubense que educou, influenciou e inspirou uma geração de líderes comunitários, religiosos e políticos de Araçatuba. Marido dedicado de Lourdes Gálico Soares e pai amoroso de quatro filhos e três filhas, Roque ajudou a expandir a representatividade democrática de bairros araçatubenses e desenvolveu mentes e corações para a participação política e para o gosto pela cultura, ao fundar instituições e criar eventos que congregavam a comunidade. Com uma compreensão cosmopolita do cidadão atuante e formalmente educado, além de ideias e ações fundadas na democracia e na liberdade, Roque deixou marcas na história da Araçatuba e em muitos de seus habitantes.

 Nascido em 1 º de outubro de 1932 em Araçatuba, Roque – cujo nome herdou do pai – foi o filho mais velho de quatro irmãos e uma irmã. Sua mãe, Lázara Alves de Jesus, era costureira, e seu pai, Roque Soares da Silva, operário de beneficiamento de arroz. Sua infância foi de dificuldades e restrições comuns a outras crianças do período e, como outras crianças do período, começou a trabalhar aos 10 anos de idade, após terminar o primário. Seu primeiro trabalho foi de atendente de serviços gerais no bar de seu tio.

 Aos 14 anos, Roque tornou-se lavador de garrafas. Seu supervisor, notando sua inteligência, recomendou-o para uma transferência para a administração da empresa, onde Roque teve o primeiro contato com a contabilidade. Ele então decidiu voltar à escola para terminar o ginásio e fazer um curso de contabilidade e, aos 21 anos, formou-se contador. Quando preparava seu casamento com Lourdes Gálico, amor que duraria sua vida toda, Roque já nutria uma nova ambição: tornar-se advogado.

 Viajando 7 horas por semana entre Araçatuba e Bauru, enquanto trabalhava como contador em Araçatuba, Roque formou-se em direito em 1963, em um período que 50% da população brasileira acima de 15 anos ainda era analfabeta. Fazer faculdade era inimaginável para sua família e para muitos de seus amigos e conhecidos. Ele foi o primeiro da sua família a se formar em um curso superior.

 Depois da graduação em direito, Dr. Roque – Fiúca para os familiares e amigos próximos – envolveu-se mais profundamente com sua comunidade. Seu mote era “não adianta saber as coisas, tem que compartilhar”. Roque, então, começou a fazer o que se tornaria a marca de sua atuação pública em Araçatuba: idealizar e liderar organizações e eventos que congregavam a comunidade, com o objetivo de educar e promover o desenvolvimento ético e de noções de cidadania para os participantes.

 Membro ativo da Igreja Católica, tendo ministrado aulas de catequese, Roque tornou-se uma das lideranças das atividades religiosas e sociais das Comunidades Eclesiais de Base (CEB) da Igreja araçatubense. As CEBs haviam sido criadas pelo Concílio Vaticano II como forma de reaproximar a igreja de seus fiéis.

 Nos encontros do Circulo Bíblico – nome informal das reuniões da CEB que ocorriam na Igreja São João – Roque conduzia discussões a respeito do significado moral e prático das narrativas bíblicas, fazendo paralelos das estórias com os contextos em que os participantes viviam. A perspectiva trazida por Roque aos encontros era de promover a solidariedade e a caridade de Cristo como práticas possíveis da vida cotidiana.

A cada dia, mais jovens vinham para as reuniões de educação religiosa do Dr. Roque. Reconhecendo as limitações do espaço disponível para um número crescente de participantes, ele então idealizou a União Livre dos Amigos (ULA), grupo que passou a se encontrar no Círculo Operário, andar superior do antigo Cine São João. A União Livre dos Amigos tornou-se um encontro religioso e cultural, onde falava-se sobre os ensinamentos de solidariedade de Cristo, e também se discutiam arte, literatura e acontecimentos atuais.

 Diversos políticos araçatubenses hoje em atividade iam aos encontros da União Livre de Amigos. Lá, liam peças de teatro, seguidas de discussões lideradas pelo Dr. Roque. Além disso, Roque dava palestras sobre acontecimentos globais do momento – ele considerava essencial que os jovens aprendessem a interpretar o mundo com a melhor e mais atualizada informação possível, além de discutir o que liam e ouviam.

 As reuniões no andar superior do antigo Cine São João cresceram tanto que chegaram a ter uma centena de participantes ativos na discussão. Eram pessoas que vinham para ouvir sobre a solidariedade do Cristo, sobre teatro contemporâneo, e sobre o mundo fora do Brasil – para serem educadas, serem inspiradas, e inspirarem sob a liderança do Roque.

 Além de servir a comunidade religiosa, Roque expandiu seu serviço à comunidade araçatubense liderando a fundação de diversas Associações de Moradores em diferentes bairros da cidade, particularmente nos locais mais carentes de infraestrutura e serviços governamentais. Esse é o caso Associação dos Moradores do bairro Jardim Guanabara, além de J. das Flores e Aclimação e outros. Por sua formação em direito, Roque entendia que as demandas dos bairros com relação a serviços governamentais locais (prefeitura) precisavam de canais de comunicação formal. Assim, a população organizada seria melhor ouvida e atendida pelos governantes, possibilitando um exercício mais efetivo de cidadania para aquelas pessoas. Com firme propósito de inclusão social, as associações de moradores de bairro foram este canal de comunicação e organização de demandas entre bairros e a prefeitura.  

 Identificando ainda a necessidade de reforçar os pleitos das Associações, Roque criou com parceiros o Conselho das Associações de Moradores, instituição que podia negociar demandas das diferentes Associações com a prefeitura.

 Durante a ditadura militar, Roque foi filiado ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição do regime. Nesse período, fim da década de 1970, ele liderou o Movimento Contra a Carestia (MCC) em Araçatuba. A política econômica regida pela ditadura concentrava renda e causa inflação muito alta, afetando a imensa maioria da população brasileira, empobrecendo e fazendo de muitos trabalhadores miseráveis e famintos. Os movimentos comunitários e de bairro uniram-se aos sindicatos e um dos frutos dessa atuação conjunta foi o Movimento Contra a Carestia. O MCC criou abaixo-assinados para persuadir os governo federal da necessidade de intervenção na economia para o controle da inflação. Em Araçatuba, a coleta de assinaturas para o pedido formal ao governo militar de controle sobre a inflação foi coordenada e empreendida por Roque e parceiros.

Na política, Roque ainda trabalhou com amigos oriundos da União Livre dos Amigos, além de novos amigos e parceiros, para eleger o primeiro prefeito fruto de ampla aliança democrática e popular em Araçatuba, em 1983. Por sua capacidade técnica e atuação política, Roque foi, então, nomeado para a Secretaria de Negócios Jurídicos da prefeitura. Também em 1983, Roque atuou como presidente da Comissão Executiva do PMDB de Araçatuba, onde discursou para o público sobre a necessidade de eleições diretas para presidente. O registro deste acontecimento encontra-se nos arquivos do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), agora disponíveis na internet por meio do Arquivo Público do Estado de São Paulo.

Integrou a Campanha pela legalização do Partido cCmunista do Brasil – PC do B – pois, democrata convicto, considerava absurdo de que formas de pensar não pudessem se  exprimir e participar do jogo político. Também  via no PC do B, um partido comprometido com as cuasas populares e que em muitos aspectos  se conciliava com sua vivência cristã. Filiou-se a esse  Partido, foi por ele candidato a deputado estadual e  nele sempre se notabilizou pela defesa intransigente da democracia, das liberdade e do socialismo.

 Como educador, Roque Soares, além das iniciativas citadas anteriormente, foi professor de Direito Constitucional, Direito Comercial e Economia Política na Instituição Toledo de Ensino, hoje Centro Universitário Toledo. Roque também nunca parou de advogar nas áreas Cível e Trabalhista. Além disso, também ministrou aulas de Oratória e Orientação Social no Serviço Social da Indústria (SESI), e de Contabilidade na Faculdade de Ciências Contábeis e Atuariais nos Salesianos de Araçatuba.

 Em 2006, aos 74 anos de idade, Roque foi diagnosticado com a doença de Alzheimer. Depois de dez anos recebendo cuidados médicos, carinho e atenção da família, dos amigos e dos cuidadores, Roque Soares da Silva faleceu em 1º de julho de 2016, aos 83 anos.

Pelo seu  papel desempenhado em  prol da cidade, articulou-se homenageá-lo, dando ao  Atende Fácil  seu nome. O prefeito  Cido Sério, com apoio da Câmara de Vereadores/as, aprovou a sugestão.

A visão a que Roque dedicou-se a promover, de uma civilização baseada no amor, na solidariedade, na inteligência, e na curiosidade, ainda inspira muitos araçatubenses e suas famílias a continuar cultivando estes valores e práticas. Todos estes são gratos por terem tido em Roque alguém para despertar o gosto pela alta cultura, pelo aprendizado, e pelo engajamento político democrático, que não excluía nenhuma categoria arbitrária de cidadão.

Roque tinha consciência que agir de acordo com ideias elevadas era muito mais importante do que apenas promover aquelas ideias. E ele – pai, vô, bisavô, professor, amigo, companheiro, líder comunitário, sábio – seguia firmemente o que pregava.

O então prefeito Cido Sério homenageou Roque Soares da Silva nominando o ATENDE FÁCIL. https://www.blogdoconsa.com.br/2016/09/roque-soares-e-homenageado.html


 

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