AGENDA CULTURAL

2.9.06

Fim do mundo é o fim de mês

Hélio Consolaro


Às vezes, fico pensando besteiras, analisando o trivial. Quantos cheques já assinei, quantos salários já administrei, quantas contas já paguei. Cruzeiro, cruzeiro novo, cruzado, real. Época em que havia 90% de inflação por ano. Em 2006, poderemos ter menos de 5%, mas o aperto continua.

Esse cotidiano maluco de assalariado. Como canta Zeca Baleiro: “mas pior que o fim do mundo/ para mim é o fim do mês”. Catando moedinha nas gavetas, quebrando o cofrinho das crianças.

Não sabia, caro leitor? Salário é como menstruação. Indesejado, rejeitado, mas quando chega, dá um alívio... Vem uma vez por mês; alguns dias antes, predomina a TPM. Será que vai sobrar alguma coisa? Vai dar para pagar tudo?

Ele chega, dura três dias. Aí, aquele corre-corre, distribui tudo, paga-se isso, paga-se aquilo. Fila no banco. E desaparece, deixando uma dor de cabeça danada, pois sobrou conta e faltou salário.

Quem já não deu um cheque pré? Dificilmente alguém que tenha talão de cheque, escapou dessa experiência. Com os cartões de crédito, o chequinho para o dia 10 está rareando-se.
Na verdade, o cheque é pós-datado, porque só pode sacar a grana em dias posteriores à emissão, mas optaram pelo nome pré-datado, porque ele é datado antes do recebimento, do saque.

Assim acontece também com o cartão. O primeiro se chamou “cartão de crédito”, porque, com ele, o usuário tinha crédito nas lojas, podia comprar fiado. Quando surgiu o outro, chamou-se “cartão de débito”, em oposição ao segundo, porque a compra é debitada na conta corrente do usuário. Trairagens da língua.

Com o cheque pré-datado, vieram os chorõezinhos, aqueles recadinhos grampeados ao cheque, pois já houve época em que era ilegal emitir cheques pré-datados. Hoje, o melhor é marcar a data do saque no próprio cheque, pois há certas garantias na legislação.

Criou-se, então, uma cultura do chorãozinho impresso, vendido nas papelarias. Um funcionário do Banrisul colecionou tais bilhetinhos. O mais tradicional é estar escrito: “Bom para o dia ...”.
Como o brasileiro faz piada com tudo, há alguns dizeres engraçados, como: “Por enquanto, está danado” e a data. “Hoje, talvez não. Mas amanhã, quem sabe? Só largue no dia...”
“Sou bonito. Guarde-me como lembrança até o dia...” Ou, então: “Gelado até o dia ....” Há o chorãozinho gaúcho: “Não está morto quem peleja. Favor segurar até o dia...”
Então, caro leitor, já foi o fim do mês, entrou setembro, mas o pagamento ainda não saiu. Pelo amor de Deus, se a menstruação não chegar é gravidez, é gravidade. Melhor pingar do que secar. Lula presidente.

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