AGENDA CULTURAL

22.10.06

Deu várias piruetas no ar

Hélio Consolaro

Devia ter arriscado mais e até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
(Epitáfio, Titãs)

Cada um enfrenta a vida como pode, nem todos são iguais, por isso dar conselhos é uma ação inglória, porque se fosse bom, ninguém daria de graça. Aprendemos mesmo é com nossas cabeçadas.

Há pessoas chatas, principalmente as mais velha, que vivem passando receitas de vida aos jovens, como se eles não fossem protagonistas de seu próprio destino. Pessoas assim ficam marcadas como chatas, morrem sozinhas. Nem sempre ajudam, só sabem meter o bedelho.

Há até uma música de Chico Buarque: Bom Conselho. De uma forma revolucionária, ele inverteu os provérbios populares, como: “Aja duas vezes/ antes de pensar”.

Na verdade, aconselhar é querer que o outro aja conforme o meu pensamento. É ter a petulância de interferir na vida alheia. Não dou conselho nem para meus filhos. Apenas digo:

- Se fosse eu no seu lugar, faria diferente... No alto de meus 50 anos, com minha experiência...

Um eufemismo, mas, pelo menos, não fica tão impositivo. Talvez, uma estratégia marota. Apesar de que, às vezes, são mais ajuizados do que o pai. Cada um tem seu estilo de vida, o jeito de lidar com ela, de passar essa temporada sobre a Terra.

Não se afobe, caro leitor, porque tudo termina numa cova. Vestir a máscara da hipocrisia, às vezes, é menos doloroso, mas nem sempre nos tornamos livres. A autenticidade dói, mas não nos aleija a alma.

Como temos ânsia de imortalidade, de eternidade, dizemos que permanecemos noutra dimensão, reencarnamos ou a matéria de nosso corpo se configura na formação de outro. Na verdade, inventamos algo para nos iludir que permanecemos e não nos esvaecemos.

Nem me preocupo, vou vivendo assim ou assado, procurando viver e deixando o outro viver também, sem sacanagens. Depois, Deus decide que fazer com esse pecador renitente. Sou como o poeta Gregório de Matos, acredito que Deus adora perdoar, basta um choro. Ele é uma mãe que não suporta ver o sofrimento do filho. Ou, então, sou como a poetisa Adélia Prado: peco, mas nunca viro as costas para Deus.

Conheço uma economista, mulher contaminada pelo racionalismo machista, que gosta de planejar tudo. Na sua linguagem, a vida se reduz a planejamento, metas, objetivos, sem contar com o acaso, com o mistério.

A vida lhe pregou uma peça, a pegou no contrapé. Deu várias piruetas no ar e caiu estatelada no chão. Está tendo que replanejar tudo. Aprendeu que o amanhã pode ser imaginado, jamais planejado. Até pode, mas a vida vira uma burocracia chatíssima.

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