AGENDA CULTURAL

4.2.07

Estética de vida

Hélio Consolaro

Todos nós estamos marcados para morrer, só não sabemos o dia, mas como vivemos como se fôssemos eternos, então a morte é uma possibilidade remota, bem longínqua, que acontece com os outros.

Digo isso porque uma leitora me telefonou, pois ela estava triste, perdera amigos. E havia outros no calvário. Todos apresentam a mesma faixa etária, em torno de 50 anos e o mesmo motivo: câncer.

Eu disse-lhe que todos nós estamos na fila e podemos ser chamados a qualquer hora, talvez, antes de quem está com os dias contados. Por que olhar com tanta piedade só para eles? Eu também sou um candidato a morrer amanhã e este texto ser publicado postumamente!

Eu fui especulando a leitora, pois estava interessado em traçar um perfil de tais pessoas, como forma de dividir alguma lição com meus 33 leitores. Afinal, filosofar é dar sentido à vida, embora a morte seja certa.





Ela me disse que mortos e moribundos gostavam de cigarro e tinham a vida emocional meio perturbada, eram pessoas com muitos nós internos, com problemas mal resolvidos, jeito meio trágico de enfrentar a vida.

Como um assunto puxa outro e cronista só faz isso, puxa o fio da meada, tenho uma amiga, com condições financeiras, que não fez ainda um plano de saúde, apesar dos 50 anos. Ela disse que não quer abrir o seu holograma para a doença, como se a adesão a um seria chamar doenças. Uma forma moderna de dizer que a pronúncia da palavra “câncer” pode provocar a doença. Ela faz parte dos novos supersticiosos, portadores de diplomas universitários.

Quando ouvi pela primeira vez a expressão “estética de vida” fiquei surpreso, pois achava que “estética” fosse uma palavra apenas do campo das artes, mas não, cada um pode dar beleza à sua própria vida, dependendo muito de como a vê e resolve seus problemas. A palavra estética contém ética na forma, e, no conteúdo, também.

Morrer é uma fatalidade, mas podemos ter uma vida bonita, com estética. Ensinam os sábios que devíamos viver como se fôssemos morrer amanhã, sem deixar nada para depois, com todos os documentos em dia, sem dar dor de cabeça para os vivos.

Na verdade, o morto pobre dá menos problemas, apenas as despesas do velório e sepultamento. Os ricos imprevidentes, que não fazem a partilha dos bens em vida entre os herdeiros, provocam a competição neles, cada filho querendo a parte maior da herança.

Quando o Consa morrer, não o enterrem na Lapinha, mas promovam uma festa com muita música e bebida. Recitem versos, contem piadas, gargalhem bem alto no velório, mas antes quero ter força para enfrentar a doença com dignidade, porque morrer é saber renunciar, é suportar a dor da cruz, sair de cenário para outro artista entrar. Quero ver se vou ter raça para enfrentar isso de cabeça erguida.

2 comentários:

Anônimo disse...

O jornal perdeu o encanto sem suas crônicas diárias, por que parou, parou por quê? Cadê o encantador, cadê o meu cronista-mor?
Eu ordeno, NÃO PARE, NÃO NOS DEIXA, NÃO ME DEIXE MAIS SÓ AINDA!
Beijos

Anônimo disse...

Parabéns... Tocou na ferida com leveza e profundidade... Sua sensibilidade toca o meu amor.