AGENDA CULTURAL

7.3.07

Segurança para os mortos

Hélio Consolaro

Assaltaram o cemitério da cidade de Guararapes. Os ladrões retiraram todas as peças de bronze. Santas e santos foram derretidos, não houve fé que resistisse à sanha do “ter” dos ladrões. Como morto não reclama e nem precisa daquilo, foi um roubo sem conseqüências desastrosas, tiraram o supérfluo.

Se nos roubam um carro, uma moto ou mesmo uma bicicleta, ficamos a pé, perdemos a condução de passear e ir ao serviço. Se furtam coisas de nossas casas, o televisor, por exemplo, perdemos a novela, o noticiário, todos os moradores da casa ficam pê da vida.

Roubar coisas de cemitério, adere-se logo a um discurso conformista: não foi tão mal. Os mortos precisavam daquilo?

Em Brasília (justamente lá), roubaram o som de meu Corsa em janeiro de 2005, quando visitava o Meninão. Como não arrebentaram a porta do carro, não estragaram alarme, fizeram um serviço limpo, respeitando a todos os plugues, sem quebrar nada, caí de joelhos e rezei um palavrão:

- Esses ladrões são bons pra cara...

Sempre valorizamos o ter em detrimento do ser nessa sociedade capitalista. Quem tem carrão, consegue mulher facilmente; quem anda bem vestido, é chamado de doutor. Basta dizer que tem um canavial para ser respeitado. As propagandas só mostram gente bem-sucedida...

Os ladrõezinhos, que antes eram meninos ou meninas pobres, aprenderam bem a lição. Querem ter, mas nunca deram àquelas criaturas a oportunidade de exercerem o consumismo, resolveram fazer justiça com as próprias mãos e em benefício próprio. Se políticos fazem, por que eles não? Uma lição aqui, uma rejeição acolá, e a aprendizagem foi se completando.

As pessoas que cuidavam de mausoléus e túmulos de parentes, entrevistadas pela reportagem da TV Tem, lamentaram, dizendo que não tinham mais lugares para pôr as flores e queimar velas.

Na verdade, estão pagando o preço pela ostentação. Quiseram mostrar requinte mesmo na guarda dos restos mortais dos parentes (usando bronze), por isso foram vítimas dos ladrões. Não levaram nada das sepulturas simples, com apenas uma cruz, flores de plástico e plaqueta com o último RG do falecido.

Até aí, tudo bem. A vida é assim mesmo, mas alguém reivindicou mais segurança no cemitério. Então, esse cronista se arrepiou. Todos os brasileiros, classes média e alta, querem que o governo lhes dê três soldados a tiracolo por 24 horas (três turnos). Agora pedem também segurança para os mortos?

A nossa segurança está no outro, à medida que o incluamos, tornamos seu irmão, amigo e camarada! Como é difícil entender isso... Sou amigo de todos para me proteger, cacete!

Um comentário:

Ventura Picasso disse...

Júnior Teixeira, perdeu a mãe há onze anos, e resolveu fazer algo diferente. Entre túmulos de famosos, como Chico Xavier e anônimos como milhares que estão no cemitério São João Batista, ele construiu uma torre de trinta e um metros de altura. Com vidros coloridos, fotos, mensagens, bonitas peças e flores, tudo para demonstrar amor à sua falecida mãe, pois ameniza a saudade. Ele conta que gosta de chegar lá e se sentir bem, não pensando na morte como algo triste.

- Em vida como foi o convívio com a coroa? Trinta e um metros muito bom p/lhe cair nacabeça. Idiota...