AGENDA CULTURAL

3.5.07

Dependente da solidão


Hélio Consolaro

Por mais que procuremos o outro, estamos sempre só, mastigando nossos problemas, pensando o mundo. Nascer é ser jogado à sua própria sorte, sair da proteção da mãe. “Vai, Carlos! ser gauche na vida.”

Parece texto de auto-ajuda, mas é filosofia, é Martin Heidegger (1889-1976). A diferença entre nós se dá com o jeito de cada uma lidar com a solidão. Se me dou bem com a solidão, ela se torna um sentimento de liberdade, por isso estar preso numa cela não é prisão, porque posso voar.

Agora, caro leitor, estou só no meu cafofo, escrevendo este texto. Preciso da solidão para conversar comigo mesmo. Sei que meus leitores, quando estiverem me lendo, também estarão sozinhos, cada um no seu canto com o jornal nas mãos. E eu continuo também só.

Nem todos são iguais, há gente que interpreta a solidão como abandono, uma espécie de desconsideração dos outros e de Deus. Não vive a sua vida, mas a dos outros. Desconhece-se. Não é protagonista de sua própria história, é um coadjuvante.

Não sou isso ou aquilo por causa dos outros, sou responsável por minhas escolhas. Preciso aceitar correr os riscos que forem necessários para atingir os meus objetivos. Preciso ser senhor de mim mesmo.

A solidão é a condição do ser humano. Há momentos da vida que a decisão é só minha, há momentos que o sofrimento é só meu, por mais que outro seja solidário, não posso dividir a dor com ele. Mesmo com o outro ao meu lado, sou um solitário.

De um amigo, recebi e-mail. Um depoimento de um dependente da solidão.

Viajei durante 40 anos, sempre sozinho.

O afastamento da família, como uma imposição natural ou uma desculpa de que o trabalho (eu era caixeiro-viajante) exige, transforma muitas pessoas em solitários catatônicos. A minha opção, a necessidade de sair do ambiente familiar, aconteceu aos 14 anos de idade. Comecei a viajar nos trens da Central do Brasil, sozinho, e desfrutei não só da liberdade, mas do prazer da solidão.

Os momentos mais penosos aconteceram no começo da aventura, aqueles fins de semanas no mais completo ‘abandono’. Nas sextas feiras, ao fim do expediente, nos hotéis, ficam aqueles que não retornam aos seus lares. Esse momento é complicado, pois não há clientes para visitar.

Hoje sou um dependente da solidão. Nunca aprendi a conviver sob o mesmo teto. Durante 25 anos, milhares de viagens que fiz com equipes, centenas de convenções (seis por ano), nos melhores hotéis, nas mais belas cidades, mas nunca partilhei um apartamento com um parceiro. Confesso que tenho medo de ser obrigado a conviver com alguém.

Transcrevo versos do poeta brasileiro Dante Milano: “Tudo é só, a montanha é só, o mar é só, o mar é só.../ A Lua ainda é mais só. / Se procurar alguém / Ele está só também.”

2 comentários:

Blog da Joana Paro disse...

Belo texto! Verdades eternas gentilmente ofertadas pelo cronista em momentos de solidão... Solidão carícia no domingão!
Beijos

Anônimo disse...

Sem comentário. O espelho é sempre um retrovisor, voce viu o que passou, e a única coisa que nos acompanha, vida afora, é a criança que trazemos, não passou.