AGENDA CULTURAL

14.9.07

Em harmonia com a fonte

Harmonia Macrocósmica - Andreas Cellarius - 1661
Hélio Consolaro

Na quinta-feira, passando de carro por uma rua de Araçatuba, vi um homem, bêbado, cair de sua cadeira ao sentar-se numa mesa bar, na calçada. Ele não era apenas “um bêbado”, porque antes de tudo era um ser humano.

Foi uma visão rápida, feita de relance, que me provocou algumas reflexões. Que levou aquele homem a beber tanto?

Não tive a tentação de julgar aquele senhor, chamando-o mentalmente de irresponsável ou vagabundo, só porque bebia em horário de trabalho. Nesta vida, a pessoa é. Merece dignidade só por ter nascido.

Esforço-me para ver o mundo ao rés do chão, como o último das criaturas. Com isso, procuro viver aquele ensinamento de Cristo, mas ultrapassando o seu significado, porque não desejo ser o primeiro. Não tem jeito, toda vez que desejo ser o último, me transformo em primeiro. Parece ser um caminho natural.

Somente quando me pus na condição de um pecador, não fiquei com o dedo em riste, acusando outras pessoas nem batendo em meu peito, dizendo que estou salvo, encontrei a harmonia. Se aquele senhor bebe, deve lá ter seus motivos.

Qual é a família daquele senhor bêbado? Cometeu algum desatino? Que caminhos percorreu para chegar àquele estado. As pessoas nascem para cumprir um papel. Judas foi o traidor, os outros apóstolos, fiéis. Como numa sala de aula, sempre haverá alguns que cumprirão o script de maus alunos. A vida é um teatro.

Qualquer interesse pela vida do homem bêbado devia ser ajudá-lo, sem aquela recomendação:

- Não é pra beber pinga, hein!?

Nem tampouco exigir dele mudança de comportamento:

- Pare de beber, “home”!

Mas ir beber com ele, ter uma prosa, dizer que ele me era muito importante, naquele estado. Escutá-lo. Como não tive coragem de fazer isso, o meu ato de caridade se restringiu a não fazer dele mau julgamento.

Será que num dia qualquer serei como ele? Ficarei tão desacreditado da vida que a última alternativa é me drogar? Não sei. Aprendi a não dizer: desta água não beberei.

Sempre via nas fachadas de igrejas a seguinte inscrição: “Aqui está a solução de seus problemas. Entre”. E não acreditava que alguma pessoa fosse tocada por aquele apelo.

Certo dia, eu estava tão desesperado que passei defronte de uma igreja com frase semelhante. Confesso que quase adentrei a soleira daquela porta, doido para sair daquele inferno interior.

Escrevo tudo isso, caro leitor, para lhe dizer que às vezes imaginamos a felicidade como a vida de um príncipe ou de uma princesa, luxuosa e com muitas aventuras.

Felicidade é estar equilibrado, em harmonia com a fonte.

2 comentários:

Beatriz Nascimento disse...

Crônica bem reflexiva.
Já teve um dia que me vi no mesmo caso, ver um bebâdo e sentar com ele pra conversar, fiz isso com o meu tio, são pessoas carente de atenção, carinho q só encontram a saída disso pelo àlcool.
O poder da palavra é mto importante, e tem q ser dita seguramente pra não ferir as pessoas. Acho q é por isso q os livros de auto-ajuda fazem sucesso, as pessoas se vêem em frente de um abismo e ao se deparar com palavras de aconchego se sentem melhor e o compram.
Ainda hei de fazer um crônica,rs.
Tenha um ótimo fim de semana Hélio.
Abraços.

Madalena Barranco disse...

Olá Hélio, de a Garganta da Serpente dei um pulinho até seu blog! E descobri interessantes crônicas, assim como esta, que se inicia com uma figura sobre o macrocosmo e termina com a valiosa fórmula da felicidade, que ao fim, remeteu-me ao microcosmo que todos possuímos e que deve ser respeitado. Parabéns! Voltarei a visitá-lo. Um grande abraço.