AGENDA CULTURAL

27.1.08

Deus e o diabo de mãos dadas


Hélio Consolaro

Na Paróquia Santana, Araçatuba, é tradição ter o “Carnaval com Cristo”. Nunca me achei pronto para participar de tal festejo, porque, quando menino, a igreja me falou tanto que carnaval era festa do demônio que incorporei tal preceito. Então, quando vou ao carnaval (se vou), faço tudo do jeito que o diabo gosta.

O padre e os carolas da mesma Paróquia Santana e São Benedito, que na época era uma capelinha na rua Paes Leme, contavam para nós, crianças, que, quem fosse ao carnaval e ficasse na terça-feira até depois da meia-noite, a fantasia incorporava à pele. Naquela capela vivi a Era Medieval.

Se durante a missa batem-se palmas, levantam-se as mãos, chega-se a pular, por que não o “Carnaval com Cristo”. Durante a missa, o conjunto deu uma palhinha de como seriam as músicas do “Carnaval com Cristo”: paródias de marchinhas ou hinos em ritmo carnavalesco. Parecia o inferno cantando músicas celestiais, como diz Zeca Baleiro em sua música “Heavy metal do Senhor”.

Para quem já foi coroinha, com o padre celebrando em latim, o corpo não tem tanta flexibilidade quanto o espírito: este croniqueiro fica duro no banco da igreja. A casa de Deus é lugar de levar puxões de orelha, onde o padre dizia que comunista comia criancinhas, e este croniqueiro, adolescente, não dormia à noite, tendo pesadelos canibais.


Tenho dó do diabo. Seus companheiros são anjos decaídos, enquanto Deus vive rodeado de santos, que já foram pecadores. No fundo, tudo da mesma laia. O capeta é um sujeito excluído, expulso, que não foi perdoado. Um pobre diabo.

Os pastores dizem que precisamos pisar na cabeça do diabo, quebrar sua espinha, promover seu linchamento. Machado de Assis escreveu no conto “Igreja do diabo” que o demo “sentia-se humilhado com o papel avulso que exercia desde séculos, sem organização, sem regras, sem cânones, sem ritual, sem nada. Vivia, por assim dizer, dos remanescentes divinos, dos descuidos e obséquios humanos. Nada fixo, nada regular”. Então, resolveu fundar uma igreja. Há tantos charlatões fazendo isso, por que ele não pode... Com certeza, meu amigo Heitor Gomes, Poeta das Multidões, seria o primeiro papa.

Olho para meu corpo, esse hospedeiro de minh’alma, a natureza em mim, a parte do diabo, como me ensinaram, que se agita quando pensa que sua hóspeda poderá viajar. Ninguém é só do mal ou só do bem. Bem e mal convivem em nós. O diabo sou eu mesmo, Deus é como querem que eu seja. Nem a carne é fraca, nem o espírito vacila.

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