AGENDA CULTURAL

19.10.08

Mata-se por amor


Hélio Consolaro

Se você, caro leitor, não for romântico, não tiver aquela disposição de viver um grande amor até as últimas conseqüências, desista, não vai compreender dramas e nem tragédias, porque são incompreensíveis aos olhos da razão. Como escreveu padre Vieira, se o amor raciocinar, deixará de ser amor. Razão e amor, sempre explorados nas artes, são como água e óleo, não se misturam.

Não serei o primeiro a fazer a leitura da realidade com os olhos da ficção. Também não sei onde começa uma e termina a outra, ou vice-versa. Quem conhece bem a alma humana, constrói personagens como se elas fossem reais. E estas, como mágica, repetem aquelas. O ser humano pode viver aventuras tecnológicas, mudar cenários, viajar para Marte, mas a essência sempre será a mesma. Devido a isso, “Hamlet” é encenada até hoje e causa arrepios na platéia. A universalidade de uma obra de arte se dá por aí, quando explora os sentimentos humanos.

Ao ler esta Folha, na terça-feira, nunca imaginava que fosse encontrar a personagem Simão do romance “Amor de Perdição”, de Camilo Castelo Branco, usando saias e em Penápolis. Bem no estilo do século 21, em que a mulher é caçadora. Otelo, Baltasar e outros personagens que mataram por amor, reviveram naquele momento.

“A professora Heloisa Maira Araújo Oliveira, 22 anos, foi morta a facadas no início da tarde de ontem na porta da escola infantil em que trabalhava, no centro de Penápolis. A autora do crime, Ariane Graziela Alves Correa, 26, (...) foi presa em flagrante.” Tudo por amor a um homem.

Veja, caro leitor, como o livro da literatura portuguesa narra o assassinato por amor: “Baltasar Coutinho lançou-se de ímpeto a Simão. Chegou a apertar-lhe a garganta nas mãos; mas depressa perdeu o vigor dos dedos. Quando as damas chegaram a interpor-se entre os dois. Baltasar tinha o alto do crânio aberto por uma bala, que lhe entrara na fronte. Vacilou um segundo, e caiu desamparado aos pés de Teresa.”

Simão matara Baltasar por amor a Teresa, mas se negava a fugir. Ficou esperando a sua prisão. E quando João da Cruz disse-lhe que fugisse, senão estaria perdido, ele respondeu que perdido estava desde quando se apaixonara pela moça. Não fugiu.

Este croniqueiro é mais o amor de Mariana que amava Simão, mas se contentava de vê-lo feliz com Teresa, e fazia o papel de correio entre os dois protagonistas. E novamente recorro ao Padre Vieira: “Quem ama porque o amam, é agradecido; quem ama, para que o amem, é interesseiro; quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, esse [amor] só é fino”.

3 comentários:

Unknown disse...

Belo texto. Parabéns.
Parece que as "tragédias" românticas voltaram a acontecer, ou nunca pararam.
Que horror esse caso da menina Eloá também. Nem dormi essa noite por causa da morte dessa menina que nem conhecia. Não sei por que me comoveu tanto. Acho que estou ficando velha, chorona à toa.
Abraço, Mariluci

Patrícia Bracale disse...

Matar por amor é o absurdo do desamor!!!
Sentimento de posse não é amor...
Ciúmes é atestado de incompetência...
Paixão é bom...
E Compaixão melhor ainda.
Saber Amar é um aprendizado diário!!!
Muito amor na sua vida.

HAMILTON BRITO... disse...

Muita barbaridade é cometida em nome do amor...sei nâo.
Acho que amar é também deixar ir.