AGENDA CULTURAL

20.12.08

Sapatada


Hélio Consolaro

O boteco Bate Forte estava repleto de barrigudinhos. Cada um chegava, pedia sua cerveja e o primeiro gole era para o santo, o Onofre, que lá de seu nicho observava a humanidade afogando num copo seus conflitos.
Faca Amolada e Caneta Louca, esbaforidos, atendiam aos pedidos que vinham aos gritos. Seu Sugiro, lá da calçada, gritava: - Sugiro espetinhos de filé miau! - Você não parou de matar os gatos da vizinhança, japonês - gritava Subversivo. Dona Assunta enxugava chão de bar, todo molhado com os goles do santo. Vivia de rodo na mão. Amelinha, no caixa, mais passava cartão e marcava do que recebia. Estava montada mais uma microempresa brasileira. A dupla Marmita e Passa-Fome cantava música a música "Centenário de Araçatuba", composição de Manuela Trujilo: "O sinos estão tocando / Tangem para anunciar / Cem botões que se abriram/ Milhões de históricas para contar / Araçatuba sorrindo / Juntos vamos festejar / Aqui o solo é fértil / Seja bem-vindo, venha plantar". Os barrigudinhos bateram palmas. E a dupla assim terminou a performance: "Governantes dessa terra / Aceitem nossos aplausos / Pois de coração aberto/ O quanto tem trabalhado / são cem anos de progresso / Escrito nesse retrato / Parabéns, Araçatuba / Xodó desse meu estado". Dr. Duas Caras chegou com seu terno. Sentou-se à mesa costumeira, deu um piparote de Faca Amolada veio atender o seu cliente mais ilustre. Eram sempre duas cervejas, uma clara e outra escura, que eram tomadas à carioca. Nisso, Magrão perguntou ao advogado que achava da sapatada dada por um jornalista em George Bush, na visita ao Iraque. Como ainda estava são, a resposta veio cheia de ponderação: - Bush deu sapatadas em Saddam Hussein, agora as recebeu de volta. O destino fez que ele fosse até lá para terminar seu mandato tão ridiculamente. Conversa vai, conversa vem. Palmeiras, Corinthians, Santos, São Paulo. Até que o pescoço do Dr. Duas Caras estava com as veias grossas, estufadas. Três rodadas já consumidas, era hora de fazer a mesma pergunta. E a resposta veio nadando em copos de cerveja: - Também o nosso prefeito levou uma sapatada da Justiça, castigo tão esperado por seu povo! Miltão, o tranqueira de confiança, nem pediu satisfações, o braço funcionou na hora. A turma do deixa-disso entrou, mas cadeiras voaram. Até que Faca Amolada gritou: - Rodada por conta da casa! E como Miltão já nem tinha mais cargo de confiança, deixou por isso mesmo. E todos beberam o líquido que era dito como presente, mas na verdade cobrado duas vezes, pois Caneta Louca tomava conta das comandas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Deixa eu dividir uma informação que recebi recentemente: mostrar as solas dos pés é uma grande ofensa entre os povos árabes: significa desprezo. Taí, talvez, a origem da idéia do jornalista de jogar logo os sapatos, os dois: desprezo dobrado!