AGENDA CULTURAL

26.1.10

À procura de uma imagem




Hélio Consolaro


Como vou cruzar mãos e amor num texto? Mostrar que elas tateavam, mas não se encontraram, porque, embora se conhecessem nos cumprimentos formais, os olhos não haviam se descoberto. O coração estava fora da jogada. Estou à procura de uma imagem para comover o leitor, deixá-lo satisfeito ao final da leitura.


Se o pintor com seu pincel procura a combinação ou não das cores, o escritor paga com a vida por uma imagem, aquela que pode ser criada na mente do leitor durante a leitura. Texto poético sem isso vira redação escolar.


Mas escrevo em parágrafos. Então, leio textos de prosadores que são verdadeiros poetas, gosto da prosa poética. A poesia não é uma composição em verso, ela é um enlevo, encantamento, como aquele sentimento gostoso ao ouvir uma música. Muitos poemas, embora sejam chamados de poesia, às vezes se abstêm dela.


Então, caro leitor, tenho como figura duas mãos que se procuram e não pertencem ao mesmo corpo. Eram duas almas gêmeas, como se buscassem cada uma delas o seu destino.


Mandaram e-mails, deixaram recado no Orkut, teclaram no MSN. Com tantos meios de comunicação, não se encontraram, embora seus corpos trombassem no cotidiano do trabalho. O desencontro era total.


Até que um dia, no supermercado, quando sem se perceberem, selecionavam tomates numa banca. Cata aqui, cata acolá, as duas mãos se encontraram e não quiseram se largar. Os olhos fugidios, até então imperceptíveis, ganharam sensibilidade e se fitaram, não quiseram se desfocar. Os lábios balbuciaram: “É você?” Os dois corações, então, descobriram que tinham o bilhete premiado. A vida mudou.


Nos encontros seguintes, admirados, não cansavam de comentar como dez anos de coleguismo ficaram tão indiferentes. O coração foi cego, por isso precisou da ajuda das mãos com bengalas. Elas foram o Cupido ao selecionar tomates numa banca do supermercado.


Caro leitor, não encontrei ainda a imagem perfeita para transmitir-lhe tanta surpresa e comoção daquelas duas personagens. Realmente, me sinto frustrado.


Os clientes do supermercado olharam aquela cena, não acreditaram. Era um escândalo. As mãos se entrelaçaram, os olhos não se despregaram e os lábios se uniram num longo beijo. E os tomates saltitaram pelo chão.


Bem que o universo tentou. Jogou-os no mesmo emprego, mas eles ficaram cegos, surdos-mudos. Então, apelou para o tato.


Naquela noite, a tampa e o caldeirão se encontram. Que imagem pobre, um lugar-comum. A metáfora fica na banca das alfaces, vale mais quando são frescas. Tampa e caldeirão chega a ser uma catacrese.


Os dois náufragos se encontraram na Ilha do Amor, aquela de “Os Lusíadas” e viveram felizes para sempre.


Não encontrei outra imagem, ando vendo muito televisão, embotando minha criatividade. Chorei num barquinho com meu binóculo. Sou apenas um croniqueiro.

3 comentários:

Rita Lavoyer disse...

Eu sei por qual razão o senhor não conseguiu pôr imagem no texto.

Quer dizer... tem. Eu consegui vê-la desenhada em grafite.

Como qualquer borracha pode apagá-la, ela saiu meio desfigurada.

Embora tentasse torná-la real, ela não existiu pelo gosto, mas pelas circunstâncias.

A imagem, professor, sai perfeita nas palavras quando ela já nos foi experimentada. Degustada mesmo, ainda que no mais profundo mergulho da imaginação.

Embora um ao outro se notaram (seus personagens),
não se encontraram na essência.

Eles sofriam de inanição e, um ao outro foi o que podiam no momento.

Perdoe-me Hélio, mas você errou na catacrese.

O encontro das partes deveria produzir ebulição até escorrer o caldo.

Não conseguirá encaixar a tampa neste caldeirão.
Se a tampa abafou, meu querido, dá mingau.
Dura pouco, não dá imagem.

Gostei do binóculo.

“”””Ela o viu sobre um barco de papel, remando a procura de um amor para compor a sua história. Procurava com um binóculo porque os olhos do coração sentiam, mas não queriam ver o que lhe era próximo.
Melhor encontrar outro longe, no oculto.
Tateou a enchente de lágrimas dentro da qual via-se náufrago.
Remou contra o tempo e contra o rumo, à deriva.
Sem opção, encontrou-se na própria ilha. Ali mesmo atracou.
Em qualquer onda amarrou o seu barquinho de papel em que trazia escrito
“ A procura de uma imagem”.
E as ondas iam e vinham. O barquinho desmanchou suas dobras e o papel dissolveu-se
na água. E o náufrago mergulhou na ilha seca a procura daquela imagem. “””

Viu professor! Do seu texto milhares de imagens podem ser extraídas para compor outras histórias.
Porque está cheio delas.
Parabéns.

Unknown disse...

Oii Hélio!
É a Maria Rosa, do Grupo Experimental!
Bela crônica, adorei!!
Meus parabéns!!

Comenta lá no meu blog!!

Beijos e tudo de bom á você!! :-)

jhamiltonbrito.blogspot.com disse...

QUE DURE POUCO...AFINAL, COMO JÁ DISSE O POETINHA, É ETERNO ENQUANTO DURA.
MOÇADA, NÃO HÁ NADA MAIS TERRÍVEL E OBJETIVO QUE UM LIGEIRO TOQUE DE MÃOS. NA PELE PODE NADA SIGNIFICAR MAS O DIABO É QUANDO NA ALMA, ENRAÍZA.