AGENDA CULTURAL

6.2.10

Microfones abertos


Hélio Consolaro



Sempre pergunto ao leitor se a dele aguentaria uma CPI. Os moralistas dirão de pronto que a sua vida é um livro aberto, mas, com certeza, com algumas páginas grampeadas ou coladas. Ou, então, a numeração tem sua sequência quebrada em algumas partes.


Tenho respondido a essa pergunta me dizendo que sou um errado, um pecador, minha vida não aguentaria uma CPI. Dessa forma, peco facilmente e com a mesma velocidade perdoo os outros, inclusive, por antecipação. Daí ter abandonado a vida partidária, excessivamente unilateral, bipolar e maquiavélica. Hoje, busco uma visão holística da vida.


Isso aconteceu porque, com 25 anos, vi a morte na minha cara, sob a forma de um torturador. Adentrei a rua Tutoia, em São Paulo, como preso político em cárcere clandestino (DOI-CODI), cuja recepção por um troglodita foi dizer que eu sairia de lá como presunto, então, caro leitor, quebrei os paradigmas. A prisão, felizmente, não me barbarizou, serviu para me tornar gente, valorizar a vida e ver o mundo com muita poesia. Usando uma metáfora de Rubem Alves, a pipoca estourou muito cedo na minha vida.


No dia 31 de dezembro de 2009, quando li que o jornalista Boris Casoy fez sem perceber que os microfones estavam ligados um comentário absurdo, carregado de preconceitos, sobre um anúncio publicitário da Caixa Econômica Federal, onde dois garis desejavam um feliz ano novo, tive até um ímpeto de esculhambar com o cara que sempre termina seus comentários na tevê com o bordão: “Isso é uma vergonha”.


Pensei: como sou hipócrita. Todos nós, por mais politicamente corretos que sejamos, fazemos alguns comentários desairosos nas rodinhas de conversa, na mesa de bar, apenas não temos os microfones abertos, ninguém é totalmente limpo. Daí a frase do mestre: atire a primeira pedra quem nunca errou. Joguei a pedra no chão. Um profissional com muitos anos de serviço prestados não podia acabar seus dias desmoralizado.


Discordo dos comentários do Bóris Casoy, até acho que o universo aprontou com ele, fazê-lo passar por esse vexame, para meditar mais sobre a importância de seu papel na mídia brasileira. Certamente, Bóris deve ter pensado: “Quem devia receber a frase 'Isso é uma vergonha', seria eu”.


Até me lembrei das palavras de Aldo Campos, poeta de Araçatuba, patrono de minha cadeira na Academia Araçatubense de Letras no poema “O monstro e o poeta”: “Mesmo contrariando minha irmã mentira:/ sou um monstro que ama a falsidade!/ Sou mãe da hipocrisia! - Eu sou a sociedade!”

Um comentário:

jhamiltonbrito.blogspot.com disse...

Mestre, comentários irresponsáveis nas mesas dos botecos, em um âmbito restrito, nem pecado venial é. Mas o carinha, ícone do jornalismo brasileiro, expressar-se daquela forma...é realmente o que ele pensa, o coiso. Na verdade, com todos os meue erros e defeitos, minha vida aguenta uma CPI posto não ser eu um demônio.Há quem diga até que eu sou um santo muito do fofo.
Obrigado pela visita ao meu pedaço...(olha, melhor explicar...com Heitor e Ventura por ai)...ao meu B L O G.