AGENDA CULTURAL

29.12.10

A classe C foi ao paraíso

Não precisa de legenda
 Hélio Consolaro*

Lula tem sorte, mas sempre foi muito persistente. Purgou três derrotas, mas tudo estava escrito nas estrelas. Bendita teimosia.

Ele quebrou todos os paradigmas, conquistou o povo com o seu malfalado português. Não disse nenhuma palavra em inglês, mesmo em suas incontáveis visitas ao exterior, nem por isso deixou de ser ouvido, com ele o Brasil ficou bem na fita.

Nada adiantou as empresas de salas de cinema, como a Araújo de Botucatu (inclusive no Shopping Center Araçatuba), boicotar o filme “Lula, o Filho do Brasil”. Enquanto a grande imprensa boicotava o seu governo, ele pulverizava a publicidade do governo para jornais, tevês e rádios regionais.

Em 1985, como vereador, deixei o PMDB e passei para o PT. Em dezembro do mesmo ano, fui para um congresso de meu novo partido em São Paulo. O discurso do Lula me arrepiou. Dia 12 de dezembro, 16h, campanha de 1989 para presidente do Brasil, fui o locutor do palanque na boca do calçadão de Araçatuba com a presença de Lula. Estava duro de gente. No outro dia, pintou aquele factóide da Miriam Cordeiro. Deus sabe, não estava na hora.

Na época da Constituinte, década de 80, uma cartomante prevendo o futuro na televisão em final de ano disse: “O moço que vai consertar o Brasil está lá no Congresso Nacional". Lula era constituinte, até pensei que fosse ele, mais fiquei meio cético. Não consertou o Brasil, mas melhorou bem a vida das pessoas.

Abraçou o conselho de sua mãe, Dona Lindu: “Seja teimoso, meu filho”. Ela queria mesmo dizer “persisente” e foi candidato quatro vezes a presidente da República. Em 2002, quando o PT definiu Lula como candidato novamente, confesso que fiquei meio contrariado.
Lulu, personagem do filme "A classe operária vai ao paraíso" 

Um retirante nordestino, que não estudou, permanecendo apenas com a formação operária, ser candidato a presidente já era uma novidade. Ser eleito, apenas um sonho. Com atitudes, afrontou o statuo quo.

Enfrentou todos os tipos de preconceito e ocupou por dois mandatos a presidência da República.Vai entregar o cargo com o índice mais alto de popularidade de seus oito anos de governo, elegendo como sucessora uma mulher separada, de sorriso difícil, ex-guerrilheira, racionalista ao extremo. Só Lula podia conseguir isso com o povo brasileiro. Em todo de brincadeira, sempre digo que Lula está para João Paulo 2.º como Dilma, para Bento 16.      

Lula provou que no bojo do capitalismo há espaço para se fazer justiça social, materializou a tese do livro “Salvando o capitalismo dos capitalistas”, de Raghuram Rajam e Luigi Zingales, democratizando o crédito.

Lula sai feliz e ainda afirma que foi gostoso governar o Brasil. Foi perseguido e execrado pelos bacanas, mas conseguiu dar volta por cima e não dá uma de vítima. Ele não conseguiu tudo, mas a parte conseguida foi significativa.

Assim se justifica o título desta crônica parodiar o do filme: “A classe operária vai ao paraíso”, do italiano Elio Petri (1971), cuja personagem principal, por coincidência, é Lulu. No seu governo, muita gente saiu da linha da pobreza, muita gente comprou muita coisa, mas o principal foi doada pelo Lula: a dignidade, a autoestima, o orgulho de ser brasileiro.

Lula é um cara de sorte, abençoado por Deus.     


*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras. Atualmente é secretário da Cultura de Araçatuba-SP

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