AGENDA CULTURAL

7.12.10

O OFÍCIO DA ESCRITA

Oficinas de criação literária valorizam a profissão

As oficinas literárias são importantes não exatamente para ‘formar’ autores. Um autor não se forma, se informa.
A ideia do artista ‘inspirado’ ou sem cultura literária é an­tiga, afirma Suzana Vargas, à frente da Estação das Letras, um dos mais conhecidos centros de criação literária do Brasil, situ­ado no Rio ce Janeiro.
    Autora de livros de poesia, literatura infantil e ensaios, e profes­sora de literatura há trinta anos, Suzana iniciou seu trabalho na Oficina Literária Afrânio Coutinho (Olac), a primeira do país, que tinha sede no bairro de lpanema, no Rio. Quando a Olac fechou, ela continuou a dar aulas na casa dos alunos até que, em abril de 1996, resolveu abrir com um grupo de escritores, a Estação das Letras, e aproveitou para diversificar ao máximo a programação do local. Hoje a instituição tem uma extensa e variada gama de oficinas e cursos e trabalha com alguns dos melhores profissio­ nais de escrita do país. Ruy Castro, José Castello, Ferreira Gullar, entre muitos outros autores, fazem parte da equipe.

Um autor hoje em dia não pode que­rer escrever ignorando as leis do mercado.
Suzana Vargas

Segundo Suzana, a leitura é a mola mestra de toda e qualquer criação. “Os professores, que também são escritores, sabem dis­so e em suas aulas buscam orientar os alunos no sentido de que leiam mais e, no máximo, irão indicar caminhos de trabaiho, en­sinarâo as técnicas inerentes a cada gênero”, completa a profes­sora, que costuma ainda destacar em suas oficinas informações sobre a indústria editorial. “Um autor hoje em dia não pode que­rer escrever ignorando as leis do mercado. Isso sem falar que. nas aulas em grupo, ele vai descobrir que não está tão solitário em sua tarefa, que existem outras pessoas”, diz. Em rodas críti­cas de uma oficina, é possível, por exemplo, ouvir de colegas e professores opiniões diferentes a respeito de seu trabalho, O re­torno dessa atividade é muito proveitoso para aqueles que dese­jam levar a profissão a sério. A Estação das Letras investe ainda em oficinas on-line, facilitando o acesso às aulas da institução.

Em minhas aulas discutimos a montagem de uma obra de arte literária e procuramos escrever com absolujta clareza, fazendo exercícios constantes. RAIMUNDO CARRERO

CULTURA SÓLIDA E ABRANGENTE

Há vinte e cinco anos à frente da oficina literária oferecida pelo Programa de Pós-Graduaçâo em Letras da Pontifícia Universida­de Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Luiz Antônio de Assis Brasil tambérn é testemunha da história das oficinas no país. “Tudo começou como uma experiência para durar um semestre. Naquela época, no Brasil, as oficinas literárias eram valiosas. mas esporádicas e de curta duração”, lembra o professor. com mais de 700 alunos no currículo.

Quem quer ingressar na concorrida oficina da PUC-RS precisa participar de uma seleção rigorosa, que escolhe 15 entre 80 a 90 candidatos. “A oficina de criação literária é um dos passos que podem ser agregados à formação de qualquer escritor. Digo ‘um dos passos’, porque os outros compreendem muita !eitura. muita escritura, muito acompanhamento da crítica literária e, sobretudo, muita cultura, abrangente e sólida, afirma o professor gaúcho, que conduz seu curso com duração total de dois semestres letivos. “Hoje é impossível ser es­critor sem um mínimo de conhecimento da teoria, mes­mo porque, em sua grande parte, os jovens escritores são ligados, de alguma forma, à Universidade, fenômeno de nosso tempo”. completa Assis Brasil. que acabou criando uma linha especifica de Criacão Literária no Mestrado em Teoria da Literatura, oferecido pela PUC-RS.
Luiz Antônio de Assis Brasil

“Escrever se aprende escrevendo, já dizia Clarice Lispector. Escrever, exercitar colocar o seu texto à prova. A oficina serve para isto, para o texto sair da gave­ta, do desktop. e ganhar outros ouvidos, críticos e afins”. Marcelino Freire

O pernambucano Raimundo Carrero, outro profissional de destaque na área, concorda com o colega. ‘toda pessoa precisa de uma formação sólida. As oficinas de criação literária ajudam os escritores a identificar melhores níveis de leitura, a conhecer o arsenal técnico de que dispõem para montar a sua obra, a encontrar caminhos, a inventar as próprias técnicas”, diz. Carrero está a frente de oficinas em Recife diariamente e ainda percorre o Brasil atendendo a convites. “Em minhas aulas, discutimos a montagem de uma obra de arte literária e procuramos escrever com ab­soluta clareza, fazendo exercícios constantes”, explica.

Aluno de Raimundo Carrero, quando ainda morava na ca­pital pernambucana, em 2004. Marcelino Freire é hoje um dos nomes mais ativos em oficinas literárias na cidade de São Paulo. “Escrever se aprende escrevendo, já dizia Clarice Lispector. Escrever, exercitar colocar o seu texto à prova. A oficina serve para isto, para o texto sair da gave­ta, do desktop. e ganhar outros ouvidos, críticos e afins”. afirma. Há três anos ele coordena a oficina de criação lite­rária do Centro Cultural B_arco, onde trabalha com todos os gêneros, do microconto a romances de mil páginas. Pela oficina de Marcelino já passaram autores convidados como Luís Fernando Verissimo, Sérgio Sant’Anna, Jorge Mautner, Antônio Cícero e José Luandino Vieira. Ele ain­da divide seu tempo com o curso de criação literária da Academia Internacional de Cinema, e costuma levar suas oficinas para outras cidades do país.


“Os jo­vens poetas, em geral, escrevem bem ou interpretam bem seus poemas. Difícil é juntarem as duas coisas.” Chacal


Também em São Paulo, as oficinas do V de Verso movimentam o SESC Consolação. Uma observação do poeta, compositor e produtor cultural carioca Chacal deu origem ao projeto: “Os jo­vens poetas, em geral, escrevem bem ou interpretam bem seus poemas. Difícil é juntarem as duas coisas.” É esta, justamente, a ideia da oficina: investir na expressão e performance poética, utilizando, eventualmente, outras linguagens que apoiem o texto falado. À frente das oficinas do V de Verso estão o próprio Chacal. O poeta, locutor, jornalista e produtor cultural Fabio Malavoglia, que é também curador e diretor das Pílulas Poéticas da TV SESC, e o poeta, professor de literatura, crítico e tradutor Fabiano Calix­to. Outro evento de sucesso que proporciona um encontro com a literatura e seus criadores, por meio de oficinas de escrita criati­va, performances e palestras, é o Literatura Plural, sediado pelo SESC Osasco. O evento já teve edições dedicadas à poesia, com participação de Antônio Cícero, Chacal, Fabrício Carpinejar e Ed­son Cruz, e à literatura digital, com presença de Heloisa Buarque de Hollanda, lgnácio de Loyola Brandào, Marcelino Freire, Luiz Ruffato e Samir Mesquita.
Já na II Jornada SESC Alagoas de Literatura, em maio último, as oficinas exploraram a tradição poético-musical local, a exemplo da oficina Falares e Cantares do Meu Povo. O norte do evento foi o estudo das tradições populares da cantoria de viola e do coco, do improviso poético e das suas relações com a Música Popular Brasileira, como mecanismos de criação e construção de novas obras autorais. Poemas tradicionais foram apresentados, sendo suas formas, rimas e métricas analisadas e relacionadas com a literatura popular e a MPB. Também em Alagoas, para crianças e jovens entre 6 e 14 anos, brincadeira e imaginação foram o mote da oficina O Mistério dos Sete Gatos Pingados, em que jogos de palavras, adivinhas, trava-línguas e ditados populares introduzem os participantes, desde cedo, ao mundo mágico da literatura.


OPINIÃO DE QUEM FEZ
“Acredito que o principal propósito das oficinas literários deve ser a formação de leitores. Por isso, as oficinas precisam fornecer técnicas de compreensão e consequente aprofundamento da leitura – eaí está a chave dessas oficinas lna formação de escritores: bons escritores são, antes de ltudo, bons leitores. Um bom leitor não se resume à quantidade de livros lidos, mas à qualidade de cada leitura. E para um leitor que se quer escritor é preciso habilidade para experienciar um livro em plenitude, isto, uma leitura que concentre o olhar sensível e o olhar crítico e resulte numa relação mais consciente com a literatura, tanto em sua apreciação quanto em sua feitura.”
Maurício de Almeida é antropólogo, e seu livro Beijando dentes foi vencedor do prêmio SESC de Literatura 2007, na categoria contos. Cursou a oficina do Espaço Cultural Companhia Paulista de Força e Luz, em Campinas (SP), com João Silvério Trevisan e Nélson de Oliveira.

“As oficinas literárias são muito válidas, sobretudo porque o talento sem o conhecimento não levará o escritor comum a lugar algum, sobretudo o poeta. Para mim, o poeta moderno é aquele que domina as formas, que passeia por diversos formatos da poesia com a mesma vitalidade: das rendondilhas ao soneto, passando especialmente pelo verso livre, que em verdade nunca foi livre, pois um poema jamais se verá livre daqueles elementos lque nos falam Aristóteles, Boileau e Pound: linguagem, imagem, ritmo e ideia. Sem tais elementos, um poema não se realiza”
Gustavo Felicíssimo é poeta e ensaísta. Foi aluno da Oficina de Criação Literária de Maria Conceição Paranhos, em Salvador (BA). Possui diversosl artigos publicados na imprensa brasileira, revisas especializadas e internet. Publicou Silêncio (haicais) pela editora Via Litterarum 2009. Mantém o blog Sopa de Poesia: www.sopadepoesia.blogspot.com


Reportagem da revista "Palavras", do SESC, junho de 2010.


Um comentário:

jhamiltonbrito.blogspot.com disse...

Nossa, gostei muito desse texto. Eu sugeri para o GE uma oficina de criação literária, como dizer...mais intensa e profunda. Falar sobre montagem de texto, como escrever com clareza, enfim, todas estas coisas abordadas aqui no blog. A Marianice , com aquela intodução de fornecer um tema para um exercício de criação, foi feliz mas não há uma crítica literária> cada um lê o que escreve e fica nisso. Muitas vezes nem se obedece o tema proposto. A Lula prometeu de dar um curso este ano; espero que inclua a abordagem de técnicas de montagem de textos, etc...