AGENDA CULTURAL

16.1.11

Um homem sem agenda

Hélio Consolaro*

Menalton Braff não estava no meu catálogo, apesar de ter sido premiado em 2000 pelo Concurso Nacional de Contos Cidade de Araçatuba. Em dezembro de 2010, fundaram um núcleo da UBE (União Brasileira de Escritores) em Araçatuba, ele apareceu para dar uma palestra e lançar o seu livro “Bolero de Ravel”. O livro tem 157 páginas, brochura, publicado pela Global Editora, e custa R$ 29,00.

Deixei-o na fila da cabeceira de minha cama. Acabei a leitura de “O sorriso do lagarto”, de João Ubaldo Ribeiro, pensei: “Chegou sua vez, Menalton”. Vamos ver se você é bom mesmo.

“Bolero” é uma obra musical de um único movimento escrita para orquestra por Maurice Ravel. Originalmente composta para um balé, a obra, que teve sua primeira apresentação em 1928, é considerada a obra mais famosa de Ravel. É a música preferida de Adriano, personagem narrador do livro “Bolero de Ravel”.

Essa música estava muito ligada à figura materna, pois a mãe, para Adriano, era a única pessoa de valor: “Procuro minha mãe em volta e só vejo pernas altas que me ameaçam esmagar”,  “À tarde, minha mãe tocou o Bolero de Ravel, num arranjo pra piano”.

Menalton não se limita em trabalhar os elementos da narrativa, ele também trabalha a frase, busca a melhor expressão, como se ela fosse um verso:

Insisto com o nó do dedo médio até que ela venha abrir a porta com a impaciência pendurada dos olhos.

É a harpa que chove tantos acordes na vidraça?  

A história retrata o fim de uma família de classe média, pois os pais faleceram num acidente automobilístico. Laura, a filha e irmã de Adriano, tem a personalidade do pai com seu “queixo em riste”, agenda carregada, sempre premiada na escola, bem-sucedida, vitoriosa, casada.

Adriano, uma pessoa fora do sistema produtivo, aos 35 anos, tinha comportamento de um adolescente, nunca conseguiu trabalhar, por isso era menosprezado pelo pai, abandonou a escola, buscou abrigo na mãe, não quis estudar. Era o filho que não dera certo.

Qualquer semelhança com algumas figuras de sua família ou cidade, com maior ou menor intensidade, caro leitor, não se trata de mera coincidência. Tinha a personalidade felina, gostava muito da casa onde nascera e se criara, mas que agora Laura queria vender para repartir o único patrimônio deixado pelos pais.

Depois da morte da mãe, Adriano não comia, apenas dormia, nem cuidava da casa. A antiga empregada, Fabiana, foi dispensada por Laura.

A casa tinha o escritório do pai, por onde ele despachava em vida. Quando Adriano era chamado para uma conversa, sabia que era reprimenda, suava frio.   

O livro denuncia as pessoas muito ocupadas, levadas pela correria do sistema econômico, como Laura, porque o narrador da obra é Adriano, quase autista, sem amigos. “Então perguntei a ele se nós os que nunca saímos em revistas nem fazemos qualquer sucesso, se nós não temos valor.”

Em nenhum momento, Laura levou em conta a relação íntima do irmão com a casa. “A casa em que ambos nascemos não existe mais. Agora é um imóvel. Foi transformada em valor pecuniário e a única, entendeu?” Virou mercadoria.

O livro oferece a oportunidade ao leitor de ler uma narrativa bem construída e também de conhecer a alma de uma pessoa diferente, seu jeito de viver, de recusar o sistema sem ser rebelde. Adriano paga pela covardia de não ter enfrentado o pai, apenas buscou a proteção materna. Provavelmente, por Adriano, Menalton deixa transparecer a sua visão de mundo.

Livro de fácil leitura, recomendada para todas as faixas etárias, até para adolescentes, uma oportunidade de conhecer ainda mais a alma humana. Menalton, você é bom mesmo.

Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Membro da Academia Araçatubense de Letras e da UBE. Atualmente é secretário da Cultura de Araçatuba.



                                                         

5 comentários:

Antonio Luceni disse...

Como "fundaram", Hélio... a UBE em Araçatuba e região é um braço de uma instituição que tem mais de 50 anos de história no Brasil...

Hélio Consolaro disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Hélio Consolaro disse...

Toninho, o foco do texto é o livro "Bolero de Ravel", ele e seu autor devem brilhar, pois se trata de uma resenha. O núcleo da UBE e a própria UBE ficaram embaçados no texto, fora de foco. Não posso estragá-lo, segundo minha concepção, para fazer média.
Hélio

Antonio Luceni disse...

Prezado Hélio, é uma quase resenha porque faz comentários que orbitam sobre ela, daí a sugestão para "orbitar" a informação completa. Segundo minha concepção, não se trata de média, mas de colaboração na divulgação de uma instituição que está se inserindo em nosso contexto regional e da qual você também faz parte. Seus leitores merecem a informação completa.

Antonio

Anônimo disse...

penso que existe algo muito alé do que "seus leitores merecem",sic. é melhor resolvere a sós. Publicar o que gravita a futrica; ninguem merece.
Ana