AGENDA CULTURAL

16.1.11

Um jardim ao pé da porta

Menalton Braff


Menalton Braff*   

Quando entrei na sala,  outro dia, um aluno, desses que vivem nas sombras, perguntou: “Professor, por que poesia?” Foi então que entendi o sentido de “óbvio ulu­lante”, e percebi que nunca en­tendi direito o que seja axiomáti­co. Poesia, ora, a poesia! E é pos­sfvel vida inteligente sem poe­sia? Não respondi nesses ter­mos, evidente, mas foi o que pri­meiro, e antes da resposta, con­segui pensar.

Controlados os impulsos ini­ciais, regulada novamente a respi­ração e a pulsação retornando aos poucos a seu ritmo, digamos, aceitável, a resposta me saiu meio ao estilo da maiêutica so­crática. A primeira pergunta foi se os animais se alimentam, e a resposta, obviamente, foi positi­va. “Mas todos?”, insisti.

E meu aluno, já meio des­confiado (não vivemos, nota-se logo, por volta de 420 a.C.), confirmou mais urna vez. Conti­nuei perguntando se mesrno os seres humanos procediam assirn. Agora um sorriso sardônico de vitória antecedeu a resposta: “Claro, os seres humanos são também animais”.

Ele só não repetiu Hegel, di­zendo que ao tomarem consciên­cia de que são animais os seres humanos deixam de sê-lo, para tornarem-se seres espirituais. E não repetiu porque sua pouca ida­de não lhe dera ainda tempo de ouvir a voz dos filósofos.

Desfeitas todas as dúvidas a respeito da alimentação dos ani­mais, prossegui perguntando se os animais descansam, se eles se reproduzem e a resposta foi sem­pre igual.

Depois de uma pausa dramá­tica, talvez excessivamente tea­tral, perguntei a meu jovem alu­no se em sua casa havia um jar­dim. Mais desconfiado ainda de estar sendo conduzido a uma cila­da, até meio encolhido na cartei­ra, ele disse, num fio de voz (“num fio de voz”, antigamente, era considerado um clichê), que sim, que havia.

Meu discurso então saiu dos bons trilhos pedagógicos, que devem procurar sempre um tom aliciante. Meu garoto, trovejei, você come e o cavalo também. Você descansa e o cavalo descan­sa. Você se reproduz (se não de fato, pelo menos em potência) e o cavalo também.

Mas isso não é um silogis­mo e nem você é um cavalo. O que o salva, entretanto, de ser um mero animal como os outros, é que você cultiva um jardim ao pé de sua porta.

Acho que meu aluno, a despeito de meu gauchismo na expressão de meu pensamento, entendeu o que tentei dizer. Na semana seguinte apareceu na escola com um livro do Drummond, na mão. Estive ten­tado a dizer “debaixo do bra­ço”, mas essa expressão é pejo­rativa, significa que o livro é apenas um enfeite, e meu alu­no demonstrou que estava real­mente lendo o Drummond.

Se as necessidades básicas do corpo estão satisfeitas, só po­demos pensar em qualidade de vida referindo-nos às artes, que o espírito humano veio produzindo através da história e que consti­tuem as mais altas conquistas da civilização, bem mais altas do que as conquistas tecnológicas, porque todas elas centradas na matéria, e o ser humano, repercu­tindo Hegel, é ao mesmo tempo matéria e espírito.

Menalton Braff, escritor, diretor de Integração Nacional da UBE (União Brasileira de Escritores). Vários livros publicados. Prêmio Jabuti.
www.ube.org.br

Um comentário:

Antonio Luceni disse...

Oi Hélio... se puder inserir o endereço do blog da ube quando postar alguma coisa dele é importante para nos ajudar na divulgação e sendimentação da nossa instituição por estas bandas.

Obrigado,

Antonio