Domingo, 22/5/2011 - Folha da Região e outros jornais do interior
Há uma profunda dissintonia entre alguns grandes veículos de comunicação
e a opinião pública
Em países de instituições mais avançadas, o escândalo é o ápice do
jornalismo. É aquele momento crítico, em que o jornal coloca em jogo sua
credibilidade, seu discernimento, sua capacidade de apuração. E cada
denúncia é uma pancada, que derruba governos, parlamentares, curva
empresas e poderosos.
Por isso mesmo, é matéria rara. Escândalo não dá em árvore. Principalmente
o grande escândalo, o que mexe com instituições e o poder.
Por aqui, a crise do grande jornalismo tornou-se endêmica. O jornalismo
comporta inúmeras pautas nobres, o grande perfil, a grande matéria de
negócios, a grande matéria econômica crítica, grandes temas culturais,
temas relevantes de políticas públicas.
Por aqui, o escândalo, qualquer um que seja, tornou-se pauta única, samba
de uma nota só.
Na chamada grande mídia, utiliza-se a escandalização para tudo e para
nada.
O diretor de redação do jornalão quer acertar contas com quem o criticou?
Basta uma matéria tratando como escândalo um fato normal. Determinada
fonte não atendeu ao pedido de entrevista da revista semanal? Pau nela.
O
editor não foi com a cara de determinado político? Denúncia nele.
Esse jornalismo de acerto de contas compromete a imagem do veículo,
passa
a ideia de mesquinharia, de desrespeito.
Onde vamos parar? De poder respeitado para poder temido? É essa a
legitimação que se pretende para a ação da velha mídia?
O grande fator de disciplinamento do jornalismo é o respeito aos fatos, o
discernimento,
o conhecimento especialmente em relação a temas ligados
ao mercado financeiro e à Justiça - dois dos fóruns centrais dos escândalos
e que exigem conhecimento especializado.
Por aqui abriu-se mão desse conhecimento. O repórter consulta o SIAFI
(Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal)
pega qualquer informação sobre o personagem a ser atacado e escreve a
matéria tratando como escândalo, como se o fato de estar no SIAFI fosse
suspeito.
Vai-se além. Em nome da manchete diária escandalosa, matérias podem
ser inventadas, pode-se mentir sobre a existência de gravações
inexistentes, como prova da acusação, que nada acontece.
Tomem-se as principais capas da revista Veja no último trimestre do ano
passado. A revista foi acusada frontalmente de estar mentindo nas
principais denúncias formuladas. A defesa dos jornalistas consistia em
alegar que
dispunham de gravações comprovando as acusações. Desafiados a
mostrá-las, jamais o fizeram. Porque as afirmações eram mentirosas.
Cria-se um terrível mundo do faz-de-conta que acaba comprometendo o
próprio papel fiscalizador da mídia. A denúncia relevante acaba se
perdendo no oceano de irrelevâncias que tem caracterizado esse festival
diário de
denúncias.
Em algum momento a ficha irá cair. As denúncias serão mais raras e
mais consistentes. Não serão utilizadas como jogada política e acerto
de contas com adversários, mas como instrumentos de controle público.
Mas ainda haverá uma grande jornada rumo ao amadurecimento.
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