Hélio Consolaro*
Dona Creusa, professora de Geografia, era geniosa. Uma pessoa que não escondia sentimentos; às vezes, estava radiante como uma rosa recém-desabrochada, ou, então, parecia murcha como uma plantinha em terra ressecada.
Do amor aos alunos passava facilmente ao ódio a todos eles, por isso era detestada por metade da escola e amada por outra metade. Vivia suas emoções. Com ela não tinha 16, 40, 56, 72, era 8 ou 80. Era assim com todos, até com a mais alta hierarquia, não havia cargo que resistia ao seu temperamento.
Ricardo, da 5ª série B, aquele aluno que perturba em sala de aula, atualmente chamado de hiperativo, passou por ela no corredor da escola durante o recreio. Dona Creusa era só sorriso, estava resplandecente, o mundo era cor-de-rosa, por isso nem se lembrava de que havia brigado com ele na aula anterior.
Jogou-lhe um beijo à distância, com boca e palma da mão. Ele, ainda magoado, fez sinal negativo com o dedo indicador. Rejeitara o mimo na cara dura. Também foi sincero, mas a verdade nem sempre é positiva. A professora não perdeu a compostura.
Gritou:
- Devolva-me o beijo!
Ricardo fez um gesto, como se estivesse jogando alguma coisa de volta. Com outro gesto, ela guardou a devolução no bolso de seu jaleco e saiu. Por certo, se algum aluno viu a cena, não entendeu nada. Até parecia cena de teatro moderno, onde os objetos são totalmente imaginários.
Na sala dos professores, quase no final do recreio, ocorreu uma coisa que professor detesta: ser incomodado. A professora recebeu um recado do bedel:
- Dona Creusa, o Ricardo quer falar com a senhora. Está à sua espera.
Ela encontrou Ricardo meio jururu na soleira da porta:
- Professora, quero meu beijo. A Mírian, aquela loirinha da minha classe, falou que a gente nunca deve rejeitar beijo de ninguém. Beijo é sinal de amor.
Dona Creusa, pensativa, perguntou:
- Você quer beijo seco ou molhado?
- Molhado, com um abraço.
O diretor passou pela cena e não entendeu nada. Seria um caso de pedofilia feminina? Professora e aluno estavam abraçados. Ambos choravam de felicidade.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Atualmente é secretário municipal de Cultura de Araçatuba
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