AGENDA CULTURAL

25.12.11

Era Natal. É Natal.

Hélio Consolaro*

Imaculada parecia sem pecado. Inocente, bobinha, trabalhava de empregada doméstica na casa de Euclides e Marta. Nem estava atrás de salário. Vivia porque a vida é uma dádiva. 
- Imaculada de quê? – perguntavam.
- De Jesus, ué! – respondia admirada.
Casal de fazendeiros que tinha dois filhos, Júnior e Patrícia. Ela dormia no emprego, numa edícula. Viajava com a família para fazendas e praias. Era pau para toda obra, sempre alegre e sorrindo.
Imaculada nunca teve namorados, nunca falou um palavrão, corria se esconder quando se formava uma roda de pessoas para contar piadas. Fazia jus ao nome.
Sempre falava:
- Um dia quero ser mãe!
Ninguém levava a sério esse seu desejo. Feinha e tímida.
Era agosto, de repente formou-se uma confusão na casa, que apesar de grande, a quebra de rotina foi notada. Imaculada  estava grávida.
- Como? Aquela songamonga! Quem foi o corajoso? – dizia quem ficava sabendo.
Imaculada insistia em dizer que a criança não tinha pai. Mais uma criança cujo pai era um risquinho na certidão de nascimento.
- Nem o anjo Gabriel apareceu? – perguntava Dona Marta.
 - Não se fazem anjos como antigamente – observava alguns empregados da fazenda.
- Não! Andei sonhando algumas coisas, mas não me lembro – respondia Imaculada.
Seriam sonhos pornográficos? Não era possível. Imaculada quando passar por acaso por uma revista de sacanagem, fazia o sinal da cruz.
Dona Marta brincou mais uma vez:
- Não tem nenhum São José nessa história?
- Credo, patroa!
- Se vai nascer, é melhor comemorar e tomar as precauções – disse Dona Marta.
E levou Imaculada à ginecologista. Quis médica, nunca ficara nua diante de um homem. Nem diante de mulher, mas se fosse médica, seria mais fácil tirar a roupa. Ia começar o pré-natal.
- Incrível, Dona Marta. Imaculada é virgem – informou Dra. Sandra.
- E nasce quando? – perguntou Dona Marta.
- Não se sabe, pois ela afirma que nunca teve namorado...
E o menino nasceu na antevéspera de Natal, na maternidade. Pelo jeito avermelhado, ia ter a cor da mãe.
Mãe e criança foram para casa de Dona Marta na véspera, no quarto onde ela dormia foi acrescido um berço. Júnior e Patrícia fizeram uma estrela iluminada sobre a edícula. Os peões da fazenda do Córrego Azul e suas famílias vieram visitá-la. Amigos de Euclides e Marta, que gostavam da comida de Imaculada, trouxeram presentes perfumados.
No berço, dormia João Paulo de Jesus. Que outro sobrenome dar à criança? Não havia pai e nem figurante.
Sadam, o fila, latia. Fofão, o angorá miava. O sino da igreja batia ao longe.
E uma música invadiu o ambiente:

Bate o sino pequenino
Sino de Belém
Já nasceu Deus-Menino
Para o nosso bem

Paz na Terra, pede o sino
Alegre a cantar
Abençoe Deus-Menino
Este nosso lar.

Os olhos de todos se encheram de lágrimas. Era Natal. É Natal.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Atualmente é secretário municipal de Cultura de Araçatuba.

Um comentário:

HAMILTON BRITO... disse...

Ah! ficcção pura. Ali no Córrego Azul, perto de Engenheiro Taveira? Minha avó tinha uma fazenda ali ao lado da fazenda do padre Antônio; lá dava maleita debaixo dos paus.Nunca ouvi está história e meu pai ou tios jamais a relataram. O único santo que nasceu ali fui eu. Até o pe.Antônio, dizem, foi excomungado.