AGENDA CULTURAL

26.2.12

Caranguejos com cérebro


Há duas décadas surgia o movimento manguebeat, misturando o som regional pernambucano com cibercultura

Por Guilherme Bryan

“Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários”. Esse é um trecho do manifesto Caranguejos com cérebro, escrito em julho de 1992 pelo jornalista e músico Fred Zero Quatro. Criado para ser apenas um release distribuído para a imprensa, esse texto deu início ao movimento manguebeat, que revelou nomes como Mundo Livre S/A, Chico Science & Nação Zumbi, Mestre Ambrósio, entre outros.

Hoje, o músico se mostra surpreso pelo fato de a cada cinco anos ser convidado para falar sobre o manifesto, do qual foram originadas várias dissertações de mestrado dentro e fora do Brasil. “Foi algo que escrevemos num clima de euforia de mesa de bar, mas sentindo que poderia ter um reflexo imediato numa cidade que passava por um momento muito crítico de depressão cultural. Mas sem sentir que aquilo viraria algo tão intenso e duradouro”, avalia Fred, vocalista, guitarrista e compositor da banda Mundo Livre S/A, surgida em 1984 e com seis álbuns no currículo.

Várias eram as referências culturais que os mangueboys e manguegirls jogavam no mesmo caldeirão cultural: ia da cultura hip-hop ao músico Jackson do Pandeiro, sem esquecer Malcolm McLaren, empresário dos Sex Pistols, e Os Simpsons. Também havia espaço para “todos os avanços da química aplicados no terreno da alteração e expansão da consciência”, como indicava o próprio manifesto. Há, porém, quem garanta que a influência mais direta foi exercida pelo guitarrista Robertinho do Recife, com discos como Jardim da infância (1977), Robertinho no passo(1978) e E agora pra vocês... suingues tropicais (1979).

“Eram jovens contrários ao pensamento cultural conservador que vigorava na música popular do Recife e Pernambuco, que propunham misturas rítmicas e sonoras e a recuperação de artistas populares tradicionais que estavam esquecidos. Chico Science falava na busca de uma ‘batida perfeita’, que seria algo novo, e produto das experimentações deles”, explica Herom Vargas, professor de Comunicação na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) e autor do livro Hibridismos musicais de Chico Science & Nação Zumbi.

DA LAMA AO CAOS
Dos grupos que vieram com o manguebeat, Chico Science e a Nação Zumbi foram, sem dúvida, os que mais repercutiram na mídia, especialmente com os álbuns Da lama ao caos (1994) e Afrociberdelia (1996). Para Vargas, eles tiveram o grande mérito de pegar o baque do maracatu e misturar com o rap, o funk e o rock.

Em fevereiro de 1997, porém, o líder do Nação e figura carismática do movimento, Chico Science, faleceu, vítima de um acidente de carro. Na opinião do estudioso, o músico e compositor deixou como principais marcas a experimentação e a criatividade. Após o fatídico episódio, a Nação continuou sua carreira e já gravou até hoje oito álbuns. Mas outros nomes, como Cordel do Fogo Encantado, Mombojó e Karina Buhr, já aparecem como artistas influenciados pelo manguebeat, que vêm dando continuidade à cena musical pernambucana, mais propícia ao aparecimento de jovens talentos atualmente do que era em 1992. Essa é a opinião de Fred Zero Quatro, que reconhece a importância do festival Abril Pro Rock, lançado em 1993 e que, segundo ele, era frequentado pelos olheiros das gravadoras. “O Mundo Livre passou dez anos praticamente na garagem, sem ter sequer um lugar onde se apresentar e gravar uma demo. O ambiente cultural hoje é infinitamente mais generoso, tanto que uma banda tem centenas de opções de lugares não só para ensaiar, mas para se apresentar. Recife é agora a capital multicultural do Brasil.” 

REVISTA CULTURA - Livraria Cultura - São Paulo



Trechos extraídos do documentário musical Mosaicos - a Arte de Chico Science realizado pela TV Cultura. Este documentário mescla gravações inéditas com imagens do acervo da TV Cultura, recuperando a participação do Chico Science e Nação Zumbi em diversos programas da emissora, a exemplo do "Especial Mangue Beat", "Ensaio" (1996), "Bem Brasil" (1996), "Metrópolis" (1994) e "Vitrine" (1996).
Neste vídeo temos Chico Science e Nação Zumbi com Da Lama Ao Caos. Com depoimento de Eduardo Bid, do próprio Chico Science, de Lúcio Maia e participação de Fred 04. Exibido em 2008.


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