Fernanda Baroni - Amigos do Livro - 02/02/2012
Entrevista publicada no Portal Amigos do Livro
Entrevistar o escritor Bartolomeu Campos Queirós é como conversar sobre literatura na varanda de casa. Sem rodeios, o mestre dá dicas, fala sobre o processo de criação, expõe idéias, desvenda segredos e nos mostra que ainda há muitos caminhos a serem trilhados por nossos pensamentos.
Seus textos são muito emocionais, voltados para as
descobertas e inquietações dos personagens. Você já afirmou que a Literatura
Infantil não precisa ser um textinho fácil, e seus livros acabam atingindo
leitores de todas as idades. Como é seu processo de criação? Você pensa em um
leitor específico quando escreve uma história?
Quando escrevo procuro exercer o melhor de mim. Procuro uma
linguagem direta, clara, frases curtas, o que não impede o texto de suportar
uma análise literária. Exploro as metáforas, não apenas como figura de estilo,
mas a metáfora permite vários níveis de entendimentos. Não seleciono o assunto,
não gosto de literatura com destinatário, dividindo o mundo como se existisse
um mundo para criança e outro para os adultos. A existência é um fio único que
começa no nascimento e encerra com a morte. Tento construir um texto sem
fronteiras. Cada leitor se inscreve nele a partir de suas experiências. Todos
vivemos num mesmo mundo e somos portadores da fantasia,que nos permite dialogar
com o universo.
Você segue alguma rotina? Acha que as palavras perfeitas
devem ser buscadas ou elas surgem, espontâneas, num ato de inspiração?
O texto é feito de palavras. As palavras além de escritas
são sonoras quando pronunciadas. Ao buscar configurar um texto busco construir
com as palavras uma frase melódica capaz de embalar o leitor. Tenho uma rotina
de trabalho. Escrevo sempre que estou em casa. Quando viajo não escrevo.
Preciso sempre de dicionários. Eles são muitos e consulto as palavras em suas
muitas aplicações. Dicionário de símbolos, de psicanálise, de filosofia, de
mitologia, biblíco, etc.
Quanto tempo costuma se passar entre a idéia da história na
sua cabeça e o objeto livro nas prateleiras?
Hoje eu peço às editoras uma produção mais imediata de meus
textos. Sou impaciente. Não gosto de organogramas ou planejamentos a longo
prazo. Quando terminei o texto O olho de vidro do meu avô, a editora pediu dois
meses para ter o livro nas livrarias. Mas se o texto é para crianças ainda em
fase de início de leitura, o livro exige mais tempo por precisar de mais
ilustrações e seduzir mais o pequeno leitor. É preciso dar tempo ao ilustrador.
Como uma criança que aprendeu a ler decifrando as palavras
escritas na parede de casa desenvolveu essa relação tão profunda com a
Educação?
Eu sempre possuí um carinho com as palavras. Sou bastante
silencioso. Acho mesmo que escutar é superior a falar. Passei a ter maior
admiração pelas palavras depois de viver um processo de psicanálise.
Experimentei que as palavras realizam o que anunciam. Comecei minha vida
profissional trabalhando com crianças numa escola de demonstração do MEC. Daí
minha confiança na escola como lugar do refinamento da percepção.
Como você vê a Literatura no cenário da Educação no Brasil
de hoje? O que você acha que poderia ser feito para melhorar isso?
Vejo com alegria a preocupação, tanto da escola como de toda
sociedade, com a formação do leitor. A escola só cumpre sua finalidade e se
torna permanente na vida do aluno quando forma leitores. O sujeito sai e continua
se educando vida afora. Acredito que devemos facilitar a aproximação do
professor com a literatura.
Para criar o hábito da leitura o professor tem que
possuir hálito de leitura. O trabalho maior deve ser junto dos professores,
para que eles deixem também transbordar seu gosto pela leitura.
A FNLIJ tem obtido grandes conquistas no sentido de levar
coleções de qualidade para serem adotadas nas escolas. Você acha que o mercado
dos livros didáticos corre paralelamente ao mercado editorial de um modo geral?
A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil tem
realizado trabalho significativo e consistente para a promoção do livro e do
leitor no Brasil. Todos os movimentos que aconteceram no Brasil tiveram a
participação da FNLIJ. É uma entidade que se preocupa com a literatura e nem
tudo que está em livro pode ser considerado literário. Vejo o livro didático
como importante se executado com excelentes critérios. É preciso considerar que
a escola é mesmo o lugar da informação e da transformação. O livro didático e o
literário dão coragem ao leitor para transformar, criar, acrescentar.
Algumas pessoas têm a idéia, equivocada, de que criança não
gosta de poesia. O que você diria a estas pessoas?
As crianças gostam sim de poesia. É preciso saber apresentar
a poesia para elas. A poesia é um texto contido, econômico, com bastante
abertura para o leitor apreciar seus tantos sentidos.
Depois a criança gosta do
jogo com as palavras, das rimas rimas, do inusitado. A criança é um ser aberto
para o mundo. O que não podemos ter é um conceito de criança. Cada criança é um
conceito.
Algumas podem gostar de poesia e outras de mistério. O importante é
gostar de algum estilo. É preciso descobrir.
Como você se definiria enquanto autor?
Como autor sou um operário. Como o pedreiro organiza os
tijolos para tornar resistente as paredes, eu organizo as palavras para
desfazer os muros, acreditando na liberdade como a maior das conquistas.
E como leitor? Quais os autores que você lê? Que tipo de
leitura você aprecia?
Leio sempre e muito. Chego a pensar que ler é superior a
escrever. Com a leitura eu somo muitos em mim. Quando escrevo eu divido.
Leio
muita teoria, gosto de romances, mas a poesia me seduz. Gosto de tantos poetas
que fica difícil enumerá-los: Drummond, Bandeira, João Cabral, Cecília
Meireles, Affonso Romano, Manuel de Barros, Henriqueta Lisboa, sem falar nos
estrangeiros e esquecendo muitos. Não se lê poesia. Poesia a gente relê sempre.
O que o Bartolomeu Campos Queirós gosta de fazer quando não
está escrevendo?
Gosto de pensar. E pensar é um ato operatório, é tentar
adivinhar os avessos. O escritor sabe que o olhar não esgota o olhado. Só a
imaginação chega dentro das coisas, no interior. Vou ao cinema, escuto música,
adoro ir ao correio, visitar livrarias e estar com amigos. Mas o que faço com
alegria é cozinhar. É uma hora em que não penso em nada a não ser nos temperos
e sabores.
Que conselho você daria para jovens autores que ainda não
conquistaram um espaço no mercado editorial brasileiro?
Eu comecei meu trabalho participando de concursos. Acho um
bom caminho. É mais independente, mais isento. Mas encaminhar texto para as
editoras é um bom caminho. Os editores, em geral, são bastante sensíveis e
abertos para bons textos.
FERNANDA Baroni
É uma jornalista apaixonada por Literatura Infantil. O trabalho como repórter, assessora de imprensa, profissional de comunicação de um modo geral, é gratificante, mas não tira o gostinho de um dia dedicar seu tempo à Literatura. Seja para falar sobre esse assunto tão especialmente inesgotável ou para encontrar sua linguagem e seu espaço nessas esquinas de palavras. |
3.2.12
"A escola só cumpre sua finalidade se forma leitores"
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Um comentário:
Concordo com essa máxima: "A escola só cumpre seu papel se forma leitores". A leitura é a única via possível para o desenvolvimento da autonomia, cuja construção, segundo Constance Kami, (aluna de Piaget e PhD), é a finalidade maior da Educação. Como formar cidadãos sem incentivar e possibilitar a compreensão leitora e o prazer de ler? Parabéns pelo post. Abraços.
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