AGENDA CULTURAL

9.3.12

Gestão cultural para além do mercado

Os esforços para impedir que as ações ligadas às artes sejam subordinadas a interesses de reprodução do capital
POR DENNIS DE OLIVEIRA - Revista da Cultura - Livraria Cultura

Nos últimos anos, o debate sobre o direito e a proteção à diversidade cultural tem crescido de forma significativa. Contraditoriamente, há uma nítida monopolização mundial da indústria da cultura. A emergência da visibilidade da diversidade cultural aponta desafios importantes para as políticas culturais e também para a gestão, como são apontados a seguir:

1º - A indústria da cultura se transformou em uma das mais recentes fronteiras de expansão do capital. Motivo: a mudança dos paradigmas de produção e consumo. Estes se deslocaram de uma perspectiva de produção em larga escala e consumo de massa para a produção em pequena escala, diversificada e consumo de nichos de mercado. Em vez da massificação, a distinção, a tribalização. Com isto, emerge a construção de identidades grupais que são formadas a partir de proposição de comportamentos e estilos de vida. Os bens culturais aparecem, assim, como constituintes de territórios de identificações de estilos de vida.

2º - A expansão do capital para as fronteiras da cultura traz lógicas organizativas e produtivas para o seio de uma área que tende a ter aversão às racionalidades burocráticas da produção capitalista. A monopolização global da indústria cultural levaria, assim, a uma padronização mundial de gostos. O poder de tais monopólios efetivamente tiraria qualquer possibilidade de construção do novo.

Na obra Artes sob pressão, Joost Smiers aponta como tais monopólios, articulados com um circuito de produção de celebridades midiáticas que cumprem um papel fundamental na propaganda de bens de consumo globais, subordinam as ações culturais a interesses de reprodução do capital.

Por esta razão, a garantia do direito humano à cultura depende fundamentalmente de políticas públicas. A Unesco, com seus documentos mais recentes, em especial o Relatório de 2009 (Investindo no diálogo intercultural) aponta uma perspectiva importante em termos de pensar a cultura desta forma.

Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura, enxerga a cultura em três dimensões: dimensão simbólica ou antropológica (é inerente aos seres humanos a capacidade de simbolizar, que se expressa por diferentes práticas culturais); dimensão cidadã (os direitos culturais são parte integrante
dos direitos humanos e devem ser plataforma de sustentação das políticas culturais) e a dimensão econômica (a cultura vem se transformando, progressivamente, num dos segmentos mais dinâmicos da economia).

A percepção de que ação cultural deve ter raiz democrática – não só em termos de acesso a bens culturais, mas também na produção e construção de novos protagonismos, possibilita a dinamização de uma economia da cultura inclusiva e cidadã. Esta visão complexa da cultura, principalmente da sua circulação, coloca para o gestor de projetos deste âmbito a necessidade de enxergar a sua atividade para além do mercado.

Efetivamente, a consolidação do projeto cultural na ótica do financiador e/ou do patrocinador se dá na dimensão do mercado (os sujeitos fruidores do objeto cultural como público consumidor). Porém, a dinâmica da cultura faz com que o “consumo” de bens culturais tangenciem também diálogos interculturais à medida que sentidos são ressignificados, novas ideias são provocadas e gestadas e, portanto, demandas são construídas.

Mais que isto, a integração dos sujeitos nos circuitos dos suportes tecnológicos contemporâneos faz que estas ressignificações se transformem rapidamente em discursos socializados. Este processo é praticamente incontrolável, daí a incorreção da expressão “gestor cultural”. O mais apropriado é chamar este profissional de “gestor de projetos culturais”, já que a cultura é “ingestionável”. O que se gerencia são projetos cujos impactos culturais dificilmente são mensuráveis, já que vão muito além da percepção imediata do mercado

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