Hélio
Consolaro*
Há um brilho de
faca/ Onde o amor vier
(Música: Entre a
serpente e a estrela)
Ela
chegou, ele estava nu na cama do hotel, preparado para o encontro, do jeito que
ela gostava. Os dois vinham de cidades diferentes. Aproveitavam os eventos
profissionais para os encontros furtivos. Não forçavam a barra, deixava as coincidências
para a trama do universo.
Ela
vinha de longe, viajava quilômetros, sacrificando compromissos, apenas para
encontrá-lo. Parece que nunca chegava, embora o desejo fosse tanto. Era uma
paixão intensa, de vários anos, mas que chegava à carne aleatoriamente, ao
longo do tempo.
Não
se conheceram na adolescência e nem foram namorados antes de seus respectivos
casamentos. Era uma poligamia natural, necessária, sem tragicidade.
Mulher
de meia idade, sem resquício de beleza jovial, a não ser interior, mas uma
fêmea que sabia sê-lo no momento certo. Ninguém diria que era uma mulher de
dois homens com beleza tão minguada.
Com
o ele era diferente, não era burocrático, havia aventura. Aquele encontro
mantinha o casamento deles, não entre eles, sem questionamentos ou cobranças.
Não se falava do outro, nem da outra. Existiam. Não se faziam comparações. Era
como se fossem apenas eles no mundo.
Também
não lamentavam o passado, nem se sentiam acorrentados; não planejavam o futuro.
Abraçavam-se,
rolavam na cama, apenas com beijos esganados, até irem ao banheiro. Não havia
nenhum “eu te amo”, comemorava-se apenas o encontro. Era assim sempre. Um amor
sem paixão.
Conversavam
sobre cinema, assuntos diversos , nada de política, porque possuíam opções divergentes,
e bem divergentes. Depois do sexo, saíam do hotel para a refeição como dois colegas de trabalho. O mundo
é pequeno, não podiam deixar indícios de suas relações secretas.
Até
que um dia, ela não veio, apesar de confirmar a ida por telefone. Nem
justificou depois. Não ligou, deixou como está para ver como que fica. Tramas
do universo. Comportamento de um conquistador barato: a piranha não veio.
Noutro
dia, as páginas policiais noticiavam: numa cidade houve o assassinato de uma
mulher porque o marido descobriu que era traído. E dava os detalhes: ela
viajava... A
tragédia se tornava pública nos jornais para deleite da Grécia antiga.
No
mesmo jornal, de grande circulação, numa cidade mais distante, um senhor havia
se suicidado num quarto de hotel com um tiro na boca. O corpo ainda se encontrava
no necrotério.Um drama rodriguiano.
*Hélio
Consolaro é professor, jornalista, escritor. Atualmente é secretário municipal
de Cultura de Araçatuba-SP
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