AGENDA CULTURAL

18.5.12

Tentaram contrariar

Hélio Consolaro*

Há um brilho de faca/ Onde o amor vier
(Música: Entre a serpente e a estrela)

Ela chegou, ele estava nu na cama do hotel, preparado para o encontro, do jeito que ela gostava. Os dois vinham de cidades diferentes. Aproveitavam os eventos profissionais para os encontros furtivos. Não forçavam a barra, deixava as coincidências para a trama do universo.

Ela vinha de longe, viajava quilômetros, sacrificando compromissos, apenas para encontrá-lo. Parece que nunca chegava, embora o desejo fosse tanto. Era uma paixão intensa, de vários anos, mas que chegava à carne aleatoriamente, ao longo do tempo.

Não se conheceram na adolescência e nem foram namorados antes de seus respectivos casamentos. Era uma poligamia natural, necessária, sem tragicidade.

Mulher de meia idade, sem resquício de beleza jovial, a não ser interior, mas uma fêmea que sabia sê-lo no momento certo. Ninguém diria que era uma mulher de dois homens com beleza tão minguada.

Com o ele era diferente, não era burocrático, havia aventura. Aquele encontro mantinha o casamento deles, não entre eles, sem questionamentos ou cobranças. Não se falava do outro, nem da outra. Existiam. Não se faziam comparações. Era como se fossem apenas eles no mundo.
Também não lamentavam o passado, nem se sentiam acorrentados; não planejavam o futuro.
  
Abraçavam-se, rolavam na cama, apenas com beijos esganados, até irem ao banheiro. Não havia nenhum “eu te amo”, comemorava-se apenas o encontro. Era assim sempre. Um amor sem paixão.

Conversavam sobre cinema, assuntos diversos , nada de política, porque possuíam opções divergentes, e bem divergentes. Depois do sexo, saíam do hotel para a refeição como dois colegas de trabalho. O mundo é pequeno, não podiam deixar indícios de suas relações secretas.

Até que um dia, ela não veio, apesar de confirmar a ida por telefone. Nem justificou depois. Não ligou, deixou como está para ver como que fica. Tramas do universo. Comportamento de um conquistador barato: a piranha não veio.

Noutro dia, as páginas policiais noticiavam: numa cidade houve o assassinato de uma mulher porque o marido descobriu que era traído. E dava os detalhes: ela viajava... A tragédia se tornava pública nos jornais para deleite da Grécia antiga.

No mesmo jornal, de grande circulação, numa cidade mais distante, um senhor havia se suicidado num quarto de hotel com um tiro na boca. O corpo ainda se encontrava no necrotério.Um drama rodriguiano.   

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Atualmente é secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP  

  


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