Agualusa: "Todo escritor é, sobretudo, um grande leitor"

José Eduardo Agualusa

Revista "Educar para Crescer" - 29/08/2012

"Eu não seria escritor se não fossem meus pais e o fato de eu ter crescido entre livros. Essa paixão pelos livros já existia em minha casa, portanto tive acesso a eles desde muito pequeno, e isso realmente mudou minha vida", conta o autor angolano.

Minha mãe era professora de português e tínhamos todos os tipos de livros. Meus pais também nunca me proibiram de ler determinada obra. Eles estavam lá e à medida que ia crescendo, ia alcançando as prateleiras mais altas. Mas sempre li de tudo. Gostava muito de ler dicionários e enciclopédias, por exemplo, aquelas antigas, ilustradas. Até hoje adoro ler enciclopédias.

Não era particularmente nem bom nem mau aluno. Estudava o suficiente para passar de ano. Era muito distraído.

É muito importante a criação de redes de bibliotecas públicas. Comparando os casos de Angola, Brasil e Portugal, creio que em Portugal a relação das pessoas com os livros, assim como o surgimento de uma geração de escritores muito forte, tem a ver com o investimento continuado em redes de bibliotecas públicas. Portugal conseguiu formar leitores e escritores devido a esta aposta. O Brasil está a começar a fazer isso e que também começa a ter resultados. O Brasil pode vir a ser muito brevemente uma potência enquanto produtor de escritores.

Por outro lado, também é verdade que há um relacionamento direto entre desenvolvimento e leitura. Os países mais desenvolvidos são os países que mais leem. Não é por acaso, uma coisa leva a outra: a própria leitura leva ao desenvolvimento. E Angola é o país que está mais atrás justamente porque desde sua independência não tem havido um investimento na cultura e na educação. 

Fazemos grandes estádios de futebol, mas não se aposta no acesso ao livro, na construção de bibliotecas. E aí vemos a importância que tem o investimento na cultura e na educação.

Angola tem um potencial enorme para desenvolver escritores, pois é um país de contadores de grandes histórias. Mas as pessoas precisam ter acesso aos instrumentos. Há pessoas que naturalmente tem um talento para contar histórias, há histórias para serem contadas, mas falta dar às pessoas esses instrumentos para que possam contá-las. Dar acesso à cultura, ao livro. Todo escritor é, sobretudo, um grande leitor. Não é possível escrever um livro sem ter lido muitos livros.

Outra impressão que eu tenho, ao contrário do que muitas vezes se insiste em dizer, é que os jovens não leem. Eu tenho a opinião contrária. Está-se a ler muito mais. E que se está a formar inclusive grandes leitores. Você pensa, por exemplo, nos livros que os jovens leem hoje, como a saga do Harry Potter, são livros grandes, complexos, muito diferentes daqueles que eu lia quando era criança. E são livros que estão a formar grandes leitores.

* Agualusa nasceu em Angola em 1960. Formado em agronomia, tornou-se colaborador de diversas revistas e jornais em Angola. Recebeu três bolsas de criação literária, que resultaram nos livros "Nação Crioula", "Um estranho em Goa" e "O ano em que Zumbi tomou o Rio". Suas obras já foram traduzidas para mais de 20 idiomas. 

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