Hélio
Consolaro*
No
dia 23 de agosto de 2012, no teatro da Unip, Araçatuba, quando a atriz Fernanda
Montenegro apresentou o seu monólogo “Viver sem tempos mortos”, baseado em
textos do Simone de Beauvoir houve um fato engraçado.
Depois
de tanto sacrifício para conseguir um ingresso... Madame mandando a empregada
ficar na fila. Era tudo gratuito, mas tinha a desgraça da fila. Até parecia que
Araçatuba havia virado Cuba: de graça, mas com fila.
-
Onde o PT governa, a plebe vai ao teatro, frequenta aulas de balé... – dizia algumas
madames.
-
Esse secretário da Cultura nunca me engana... Melancia – verde por fora e
vermelho por dentro!
Na
verdade, a vinda da atriz era fruto do conluio de PT e PSDB – Prefeitura e Governo
do Estado. Apesar de alguns protestos entredentes, a recomendação severa de silêncio
total fora obedecida.. O vôo de um pernilongo parecia um avião passando entre
550 pessoas da plateia.. Do jeito que a atriz sentou-se, ela ficou, sem mexer
um dedo, na mesma posição.
Todos
estavam lá para ver Fernanda Montenegro, renomada artista brasileira, para ter
o que contar para amigos e amigas. Poucos estavam interessados no texto, na
Simone Beauvoir, em Jean Paul Satre.
De
repente, não mais que de repente, depois de meia hora de monólogo pétreo, um
ronco rompeu no seio de imensa plateia como forma de protesto. Bitelo, longo,
daquele em que o roncador perde o fôlego.
Ninguém
riu, a atriz fez que não ouviu e tudo continuou como se nada tivesse acontecido,
mas o cérebro de cada um funcionava aceleradamente.
“Quem
foi o fdp? Teria sido o Jarbas? Será o coronel?" Essas e outras eram minhas
perguntas silenciosas.
Este
secretário municipal de Cultura, indignado com tal desfeita iniciou um processo
de investigação. Pergunta aqui, escuta acolá. Um mês depois, eis que surge o grande culpado. Nosso pintor Simão,
ou melhor, letrista que enche a cidade de erros de português, frequentador assíduo
do Estacionamento Bugalu (que ele teima em pôr acento), onde deixo amarrado meu
pangaré.
Veja
agora, caro leitor, a ironia do destino. Quem deu carona para o Simão ir até a
Unip para entrar na fila do ingresso? Este blogueiro, este secretário. Enfim,
eu estava investigando um crime do qual era coautor!
-
Que bom, Simão! Você gosta de teatro... – eu disse cheio de entusiasmo diante
do pedido de carona dele.
Ao
chamar a atenção de Simão sobre o ronco inconveniente, passar-lhe aquele pito,
ele ria, gargalhava de satisfação:
-
Professor, ar condicionado ligado, poltrona macia e aquela monotonia, cochilei
mesmo!
Apesar
de toda a minha consciência a favor da inclusão social, da interação entre as
culturas de nossa sociedade, defensor da diversidade cultural, tive um mau
pensamento ao ouvir galhofa de Simão: “Veja
o resultado de querer incluir a plebe na erudição – um ronco em pleno espetáculo!
Esse Simão me paga!”
Apesar de tudo, fica o consolo do título do monólogo: “Viver sem tempos mortos”
Apesar de tudo, fica o consolo do título do monólogo: “Viver sem tempos mortos”
*Hélio
Consolaro é professor, jornalista, escritor. Atualmente é secretário municipal
de Cultura de Araçatuba.
Um comentário:
Querido amigo Hélio, mesmo como Secretário da Cultura não perde a linha da crônica, mordaz,cruel, irônica e ao mesmo tempo humorada.
Emília Goulart
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