AGENDA CULTURAL

26.9.12

Ronco e inclusão social



Hélio Consolaro*

No dia 23 de agosto de 2012, no teatro da Unip, Araçatuba, quando a atriz Fernanda Montenegro apresentou o seu monólogo “Viver sem tempos mortos”, baseado em textos do Simone de Beauvoir houve um fato engraçado.

Depois de tanto sacrifício para conseguir um ingresso... Madame mandando a empregada ficar na fila. Era tudo gratuito, mas tinha a desgraça da fila. Até parecia que Araçatuba havia virado Cuba: de graça, mas com fila.

- Onde o PT governa, a plebe vai ao teatro, frequenta aulas de balé... – dizia algumas madames.

- Esse secretário da Cultura nunca me engana... Melancia – verde por fora e vermelho por dentro!

Na verdade, a vinda da atriz era fruto do conluio de PT e PSDB – Prefeitura e Governo do Estado. Apesar de alguns protestos entredentes, a recomendação severa de silêncio total fora obedecida.. O vôo de um pernilongo parecia um avião passando entre 550 pessoas da plateia.. Do jeito que a atriz sentou-se, ela ficou, sem mexer um dedo, na mesma posição.

Todos estavam lá para ver Fernanda Montenegro, renomada artista brasileira, para ter o que contar para amigos e amigas. Poucos estavam interessados no texto, na Simone Beauvoir, em Jean Paul Satre.

De repente, não mais que de repente, depois de meia hora de monólogo pétreo, um ronco rompeu no seio de imensa plateia como forma de protesto. Bitelo, longo, daquele em que o roncador perde o fôlego.

Ninguém riu, a atriz fez que não ouviu e tudo continuou como se nada tivesse acontecido, mas o cérebro de cada um funcionava aceleradamente.

“Quem foi o fdp? Teria sido o Jarbas? Será o coronel?" Essas e outras eram minhas perguntas silenciosas.

Este secretário municipal de Cultura, indignado com tal desfeita iniciou um processo de investigação. Pergunta aqui, escuta acolá. Um mês depois, eis que surge o grande culpado. Nosso pintor Simão, ou melhor, letrista que enche a cidade de erros de português, frequentador assíduo do Estacionamento Bugalu (que ele teima em pôr acento), onde deixo amarrado meu pangaré.

Veja agora, caro leitor, a ironia do destino. Quem deu carona para o Simão ir até a Unip para entrar na fila do ingresso? Este blogueiro, este secretário. Enfim, eu estava investigando um crime do qual era coautor!

- Que bom, Simão! Você gosta de teatro... – eu disse cheio de entusiasmo diante do pedido de carona dele.

Ao chamar a atenção de Simão sobre o ronco inconveniente, passar-lhe aquele pito, ele ria, gargalhava de satisfação:

- Professor, ar condicionado ligado, poltrona macia e aquela monotonia, cochilei mesmo!

Apesar de toda a minha consciência a favor da inclusão social, da interação entre as culturas de nossa sociedade, defensor da diversidade cultural, tive um mau pensamento ao ouvir  galhofa de Simão: “Veja o resultado de querer incluir a plebe na erudição – um ronco em pleno espetáculo! Esse Simão me paga!”    

Apesar de tudo,  fica o consolo  do título  do monólogo: “Viver sem tempos mortos”   

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Atualmente é secretário municipal de Cultura de Araçatuba.

Um comentário:

Emilia Goulart disse...

Querido amigo Hélio, mesmo como Secretário da Cultura não perde a linha da crônica, mordaz,cruel, irônica e ao mesmo tempo humorada.
Emília Goulart