Fotos fornecidas por Simone Leite Gava
Visão panorâmica da exposição no saguão da biblioteca municipal Rubens do Amaral - Araçatuba-SP |
Exposição
premiada pelo PROAC 31/2011 da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo,
patrocinada pela Copyright Comunicação Visual e apoiada pela Secretaria
Municipal de Cultura de Araçatuba.
No saguão da Biblioteca Municipal de Araçatuba "Rubens do Amaral", aberta gratuitamente
ao público até o dia 17 de dezembro de 2012, a partir das 9h. E durante a Feira do livro "Caminhos da Leitura", de 1.º a 4 de novembro de 2012.
Duxtei Vinhas Ítavo, mãe de Camila, e Simone Leite Gava (artista plástica e administradora do Museu Araçatubense de Artes Plásticas), organizou a exposição |
No segundo semestre de 2010
recebemos um convite inesperado que mudaria nossas vidas. O mais velho Pajé do
Xingu, Tacumã, Kamayura, nos convidou para lhe fazer uma visita, passar uns
dias em sua oca, conhecermos sua vida. Planejamos que sairíamos para aquele
desconhecido em 16 de fevereiro de 2011, rumo a aldeia Kamayura, bem no meio do
Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso do Brasil.
Hélio Consolaro, secretário municipal de Cultura de Araçatuba, e Camila Vinhas Ítavo durante a exposição |
Levantamos uma pequena campanha
entre os amigos e recebemos várias doações, alimentos que levamos para doar
para a tribo em nossa chegada. Foram 150 quilos de alimentos divididos em 15
caixas, além de nossas mochilas, barraca e alimentos próprios que carregamos
por todo o trajeto apenas em 2 pessoas, eu, a interlocutora que lhes escreve,
com minha formação plural em dança, educação somática, jornalismo e fotografia.
E meu companheiro, Rodrigo, cuja formação é também plural em química,
engenharia de produção, artes, imagem e som e tudo o mais que se pode tirar de
um computador, mas que naquele momento seguia apenas no encalço do chamado de
Tacumã, seu interlocutor direto na aldeia Kamayura.
Luís Carlos Ítavo, pai de Camila Vinhas Ítavo, e o secretário municipal de Cultura de Araçatuba, Hélio Consolaro |
De São Paulo para Campinas e de lá
para Barra do Garças, MT, seguimos em 24 horas de ônibus, pois pelo peso
adquirido com os mantimentos e doações seria impossível chegarmos de avião. E
de Barra do Garças foram mais 6 horas de estrada até Canarana, cidade há beira
do parque, onde passamos a noite num pequeno hotel. No dia seguinte, depois de
nos comunicarmos pelo rádio px com Tacumã, tomamos um avião para quatro pessoas
lotado de caixas e voamos quase uma hora até a Aldeia kamayura, no coração do
Parque Nacional do Xingu, nosso destino almejado. Sem dúvida, o vôo mais lindo
que já fiz e que pude filmar e fotografar.
Coquetel servido na abertura da exposição |
Quando aterrissamos, muitos índios
nos esperaram na pista de pouso, curiosos. Os alimentos foram então levados de
trator, o principal veículo da tribo, para a oca de Tacumã onde mulheres de
todas as ocas levavam porções de alimentos para si e para os seus. Quem tinha
mais crianças em casa, levava mais leite em pó, considerado ouro ali. Ficamos hospedados na Oca de Tacumã, o pajé, e
lá dentro montamos nossa pequena barraca. Tínhamos um banheiro que poderíamos
utilizar, com chuveiro, privada e pia, que ficava há uns 100 metros da nossa
oca. A rede de energia elétrica da aldeia kamayura é servida por um gerador à
gasolina que funciona das 19h as 22h, diariamente, horário em que assistem
Jornal Nacional e novelas. Aos domingos, o gerador é ligado mais cedo para que
possam assistir ao futebol. Quando acaba a gasolina, não ligam o gerador, que
sempre quebra, e durante os pouco mais de 30 dias em que estivemos lá, Rodrigo
o consertou umas três vezes, numa delas construindo um novo tanque que foi
adaptado para o gerador. Uns o chamavam de pajé, outros de Mavutsuninn. Ele
havia levado uma mala inteira de ferramentas e acabou consertando tudo para
todos na aldeia, dentadura, geladeira, gerador até a rede da internet wireless,
usada durante o funcionamento do gerador diariamente pelas 3 professoras da
escola que funciona na aldeia, pela rede estadual de ensino.
Fernanda Russo, artista plástica de Araçatuba, e Camila Vinhas Ítavo |
Como bailarina, realizei um trabalho
de reestruturação corporal com o pajé Tacumã. Ele estava com retração muscular
nos quadríceps e sentia muita dor e câimbras nas pernas. Então eu lhe aplicava
as massagens de reestruturação, ativadas pelas torções da Madame Bèziers, além
de toques no osso da Ideokinesis e relaxamento articular. E com isso ele foi
melhorando. Acredito que os depoimentos que me concedeu, e que agora fazem
parte do audiovisual proposto na
exposição, foi uma forma de agradecimento ao “atendimento” que fiz para
ele.
Crianças também se fizeram presentes, acompanhados dos pais |
Quando os mapas me foram dado de
presente pelo Tacumã neto percebi que o material que tinha em mãos era muito
além de um presente. Era um projeto. E quando ele os entregou a mim um dia
antes de nossa partida ele me disse que estariam melhor em minhas mãos. Depois
que quase naufragamos na volta, e mais uma vez os mapas passaram por situações
em que poderiam molhar ou rasgar como já vinha acontecendo, entendi que Tacumã
neto nos enviava sua mensagem através destes mapas, a topografia de seu povo
neste lugar que lhes foi dado.
Camila Vinhas Ítavo e Massato Ito, artista plástico de Araçatuba |
Inspirada nestas vivências, escrevi o
projeto para o Proac 31 para artistas que já tinham participado de exposição
coletiva e por isso é chamado de Concurso de Apoio a Projetos de Primeira Obra
de Artes Visuais no Estado de São Paulo. A saber, as exposições coletivas das
quais eu já participara foram no MIS - SP com fotografias do nordeste que
ganharam o Mapa Cultural Paulista e também um vídeo documentário chamado "O Jornaleiro que preferiu o
rádio", em 1999 e 2000. Neste projeto foram eleitas 60, da mais de 6mil
fotografias feitas na viagem, que criassem um roteiro sobre a história da
família do Pajé Tacumã e sua vida à beira da Lagoa Sagrada, a Lagoa Ypawu.
Do
projeto
OBJETIVOS
Objetivo deste projeto é apresentar exposição configurada com 60 Fotografias,
1 Vídeos e 2 Mapas raros do Parque
Nacional do Xingu. Esta exposição é composta por imagens que foram produzidas
nesta viagem retratada em síntese acima ao Parque Nacional do Xingu em
fevereiro de 2011, a convite do pajé Tacumã. Outro
objetivo específico é fazer circular a voz da raiz do povo brasileiro através
desta exposição que revela o dia a dia da vida na aldeia, os anseios da nova
geração de índios, assim como os conhecimentos do mais velho ancião e pajé, um
dos poucos ainda vivos desde a criação do Parque Nacional do Xingu.
JUSTIFICATIVA
Esta
exposição tem caráter documental e se coloca com testemunho de uma organização
ancestral e viva, de um tipo de vida completamente integrado à natureza em
pleno século XXI. Testemunho de como a construção espacial e cultural da oca,
onde se abriga junto a família inteira: avós, filhos e netos, propõe a
continuidade deste modus operandis ainda preenchido pela originalidade
desta cultura indígena brasileira. A aldeia kamayura é considerada a guardiã
das manifestações culturais de todo Xingu. É lá onde se dão os grandes
encontros entre todas as tribos durante as festividades do Kuarup. Portanto
mais um objetivo deste projeto é justamente salvaguardar tais conhecimentos e
figuras importantes da história deste Brasil.
Banner exposto na mostra |
“A imagem
em geral costuma ser vista como uma espécie de extensão da imagem artística. O
prazer que ela proporciona é, pois, da mesma ordem, embora seja em outro
registro. Até a imagem documentária, que deve seu valor ao fato de só mostrar o
mundo tal como é, participa desse prestígio da criação e do prazer da invenção:
os grandes fotógrafos e os cineastas de documentários, de Flaherty a Depardon,
são os que mostram seu olhar ao mesmo tempo que mostram o mundo. Por qualquer
ângulo que seja considerado, o prazer da imagem é sempre, em última instância,
o prazer de ter acrescentado um objeto aos objetos do mundo.”1
Casal bebericando durante o coquetel de abertura da exposição |
As
reflexões de Jacques Aumont no livro “A Imagem”, assim como as
observações minuciosas de John Berger no livro “Modos de Ver”, levam à
consideração de que a produção elaborada das imagens, tanto em forma de
documento quanto de ficção, seja uma contribuição relevante ao imaginário
coletivo, como pode ser uma contribuição também para as novas maneiras de
educar e formar cidadãos da atual “civilização da imagem”. O autor Roy
Ascott, por exemplo, nos leva a crer que é possível fazer revolução quando se
faz arte. Sim, é possível contribuir com imagens transformadoras para um
imaginário melhor e muito mais conectado com a atual condição humana.
Camila Vinhas Ítavo e o funcionário Paulo César, da Secretaria Municipal de Cultura durante a montagem |
“Da mesma maneira que a revolução na
eletrônica – que levou das telecomunicações ao computador – está acontecendo
agora no cérebro humano e expandindo nossa concepção de mente, da mesma forma,
na arte, estamos andando em direção a uma cultura da bioeletrônica, da
ciberespiritualidade, da arquitetura inteligente e da complexidade de sistemas
auto-organizáveis e autoconscientes. Entramos no domínio do noético, e a
consciência está na ordem do dia. A arte eletrônica está para se tornar a arte
bioeletrônica; como o primeiro elemento de nossa prática, o microship está para
se tornar o bioship molecular e o computador digital está dando passagem para a
rede neural. Estamos andando em direção ao espiritual na arte, de uma maneira
que Kandinsky dificilmente poderia ter imaginado como o sistema cibernético se
integra com os sistemas psíquicos. Mas isso nos confere uma grande
responsabilidade para os tipos de mundo que construímos. Depois de estarmos
suspensos nos últimos trinta anos em um estado de moral pós-moderno e na
ausência de peso, estamos agora sujeitos à gravidade da ética, e precisamos
encontrar novos valores e uma nova moralidade.”2
As
imagens e atmosferas culturais relacionadas neste projeto são
documentais mas também são experiências de arte interagindo com crenças e modos
de vida para coo-produzirem maior conscientização da vida que urge, assim como
novos cenários e acolhimentos para os valores essenciais aprendidos por todos
que vivem na aldeia.
Portanto
este projeto é uma ação e aposta na força da imagem como alavanca propulsora
para a visualização de um mundo melhor, na imagem proporcionando novas
compreensões e apreensões do mundo, na imagem salvaguardando culturas e
conhecimentos quase nunca acessíveis ao cidadão brasileiro, na imagem formando
a consciência da necessidade de preservação cultural, ambiental, da memória e
do nosso patrimônio imaterial.
Fotografia,
audiovisual e produção de Camila Vinhas Itavo.
Um comentário:
Sou Guarani. A realização de um extenso projeto envolvendo toda a Amazônia legal, ainda antes da divisão do estado, fez com que eu tomasse conhecimento da figura extraordinária do cacique Tacumã. Fiquei fascinada! Virei sua fã! Tacumã não necessita de elogios, sua atuação desde os Villas Boas é sobejamente conhecida e sua morte em 2014 foi uma perda irreparável para às gerações de agora. Parte de mim,a melhor, morreu com ele. Como gostaria de ter visitado sua exposição. Não tenho nenhuma foto dele quando de minha estada , em 78. Paciência, ele estará para sempre em minha memória e em meu coração.
Obrigada por sua obra
Gabriela a. Enriquez
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