Hélio Consolaro*
Indo
para o trabalho, me peguei colocando a caneta no bolso. Há quanto tempo faço
isso automaticamente? Já tive o orgulho de carregar Parker, Pilot, Sheaffers cuja carga se
faz no tinteiro. Hoje, nem compro mais canetas, uso as canetas-brinde. Se é para
sumir, perder, deixar em qualquer mesa por aí, que seja uma de custo zero.
Quando
passei do lápis para a caneta, foi um ritual, sinal de que o aluno estava
progredindo. E minha primeira caneta era de madeira com uma pena na ponta, que
precisava ser molhada no tinteiro a todo o momento. Passei ausar mata-borrão. A mão pesada daquele menino
tabaréu abria as pontas das penas, era preciso comprar uma caixa delas. Quantos
picuás manchados, cadernos borrados porque a tinta Guarany vazava do vidro. Só
os adultos tinham canetas-tinteiro, eram caras.
Conheci
Coca-Cola e caneta esferográfica na escola, onde eu me abastecia de novidades. Ela
era a porta do mundo. Eu era um roceiro, um tabaréu, capiau, além disso, pobre.
Esse negócio de objeto descartável (acabou, joga fora) era um absurdo, apesar
de existir o refil.
Hoje,
dificilmente uma caneta consegue acabar a tinta em minha mão. E a carga é
diminuta. Quando era professor, usava muito a caneta vermelha. E essa, eu
precisava comprá-la. Ao corrigir provas e redação, eu acompanhava a descida da
carga, até jogar a Bic no lixo, com o tubo branquinho.
Nem
naqueles quilométricos processos licitatórios em que preciso pôr minha rubrica
hoje na Prefeitura de Araçatuba, consigo inutilizar uma caneta por falta de tinta.
Como
eu disse, caro leitor, me peguei pondo uma caneta no bolso ao sair de casa,
indo para o trabalho. Hábito não muito usado hoje, como usar o
relógio de pulso. Mas quem me pôs tal hábito de
carregar caneta no bolso de camisa?
Meu
pai, um quase analfabeto. Sem saber escrever direito, não frequentou escola. Carregava religiosamente
sua caneta tinteiro no bolso de sua camisa. Seu desejo de ser um cara estudado era
tanta que simulava isso. Isso é uma das
muitas coisas que o Seu Luís deixou em mim.
Apesar
do bloco digital de anotações no iPhone, não saio sem uma caneta e alguma folha
de papel para anotações. Ele usava uma caderneta espiral, a menor delas. Esse
valor nos estudos que lhe foram subtraídos por um pai (meu avô) tacanho, que
não queria ver os filhos sabendo mais do que ele, foi a força de meu pai para
estudar todos os filhos, embora não tivesse recurso para tanto.
Na
década de 80, houve um estudo. Os prefeitos com menor índice de escolaridade
eram os que mais investiam em educação. A falta de uma habilidade nos faz
valorizá-la. Seu Luís partiu há dois anos, sua ausência ecoa em mim.
*Hélio
Consolaro é professor, jornalista e escritor. Atualmente exerce a função de
secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP
3 comentários:
Que diabo é pena de caneta, mata-borrão?
Não conheci ests troços , nao.
Zé Hamilton larga de querer ser mais novo, eu sou mais nova que voce e conheci.
Marianice
É, velho tempos aqueles onde aprendemos a partir do segundo ano escolar, a escrever com caneta pico de pato. Existia um buraco na carteira, bem no meio, porque nas carteiras sentavan de dois alunos. O servente da escola passava com uma garrafa grande com um fino bico e abastecia os buracos com tinta azul.
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