AGENDA CULTURAL

31.1.13

Caneta de um analfabeto




Hélio Consolaro*



Indo para o trabalho, me peguei colocando a caneta no bolso. Há quanto tempo faço isso automaticamente? Já tive o orgulho de carregar  Parker, Pilot, Sheaffers cuja carga se faz no tinteiro. Hoje, nem compro mais canetas, uso as canetas-brinde. Se é para sumir, perder, deixar em qualquer mesa por aí, que seja uma de custo zero.

Antigas carteiras escolares


Quando passei do lápis para a caneta, foi um ritual, sinal de que o aluno estava progredindo. E minha primeira caneta era de madeira com uma pena na ponta, que precisava ser molhada no tinteiro a todo o momento. Passei ausar mata-borrão. A mão pesada daquele menino tabaréu abria as pontas das penas, era preciso comprar uma caixa delas. Quantos picuás manchados, cadernos borrados porque a tinta Guarany vazava do vidro. Só os adultos tinham canetas-tinteiro, eram caras.

Penas de canetas antigas


Conheci Coca-Cola e caneta esferográfica na escola, onde eu me abastecia de novidades. Ela era a porta do mundo. Eu era um roceiro, um tabaréu, capiau, além disso, pobre. Esse negócio de objeto descartável (acabou, joga fora) era um absurdo, apesar de existir o refil.



Hoje, dificilmente uma caneta consegue acabar a tinta em minha mão. E a carga é diminuta. Quando era professor, usava muito a caneta vermelha. E essa, eu precisava comprá-la. Ao corrigir provas e redação, eu acompanhava a descida da carga, até jogar a Bic no lixo, com o tubo branquinho.

Caneta de pau


Nem naqueles quilométricos processos licitatórios em que preciso pôr minha rubrica hoje na Prefeitura de Araçatuba, consigo inutilizar uma caneta por falta de tinta.



Como eu disse, caro leitor, me peguei pondo uma caneta no bolso ao sair de casa, indo para o trabalho. Hábito não muito usado hoje, como usar o relógio de pulso. Mas quem me pôs tal hábito de carregar caneta no bolso de camisa?

Tinteiro para canetas Parker


Meu pai, um quase analfabeto. Sem saber escrever direito, não  frequentou escola. Carregava religiosamente sua caneta tinteiro no bolso de sua camisa. Seu desejo de ser um cara estudado era tanta que  simulava isso. Isso é uma das muitas coisas que o Seu Luís deixou em mim.

Caneta-tinteiro

Apesar do bloco digital de anotações no iPhone, não saio sem uma caneta e alguma folha de papel para anotações. Ele usava uma caderneta espiral, a menor delas. Esse valor nos estudos que lhe foram subtraídos por um pai (meu avô) tacanho, que não queria ver os filhos sabendo mais do que ele, foi a força de meu pai para estudar todos os filhos, embora não tivesse recurso para tanto.

Tinta Guarany para caneta


Na década de 80, houve um estudo. Os prefeitos com menor índice de escolaridade eram os que mais investiam em educação. A falta de uma habilidade nos faz valorizá-la. Seu Luís partiu há dois anos, sua ausência ecoa em mim.    



*Hélio Consolaro é professor, jornalista e escritor. Atualmente exerce a função de secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP

3 comentários:

HAMILTON BRITO... disse...

Que diabo é pena de caneta, mata-borrão?
Não conheci ests troços , nao.

Anônimo disse...

Zé Hamilton larga de querer ser mais novo, eu sou mais nova que voce e conheci.
Marianice

Natal Luiz Sbrana disse...

É, velho tempos aqueles onde aprendemos a partir do segundo ano escolar, a escrever com caneta pico de pato. Existia um buraco na carteira, bem no meio, porque nas carteiras sentavan de dois alunos. O servente da escola passava com uma garrafa grande com um fino bico e abastecia os buracos com tinta azul.