Hélio
Consolaro*
Há
gente que morre de medo de morrer. Nem o medo mata, nem a morte merece tanto
medo, porque nascemos marcados para morrer.
Ter
essa compreensão da morte quando estamos bem de saúde é fácil, duro mesmo é
quando ela passa a ser nossa companheira de quarto. Mas há gente que não pode
nem ouvir a palavra morte. Com certeza, ainda não compreendeu a vida.
Morte
e cemitério são temas próximos. Aquele lugar onde depositamos o corpo sem
energia, sem renovação.
Numa
visita ao cemitério, Dia de Finados, fiquei consternado com um sujeito tocando
violão ao pé de um túmulo. Cantava e chorava. Chorava e cantava isolado do
mundo.
Só
não tirei uma foto dele porque quis respeitar aquele momento tão íntimo sendo
despudoradamente tão público. Era um corpo reclamando a perda do outro. Aquela
cena me comoveu.
A
morte de meu pai trouxe-a mais perto de mim. Sepultamento, administrar túmulo
conforme desejo dele. E lá havia uma infiltração de água, coisa que em vida, o
velho não deixaria acontecer.
Contratei
um pedreiro, lá de dentro do cemitério, sujeito que tranquilamente convive com
os mortos, deve até conversar com eles. No seu cartão, estava escrito: “Barba,
pedreiro de jazigo”. Fazia parte do programa “Minha casa, minha morte”. A
família resolveu aproveitar a reforma para ampliar os aposentos.
-
Professor, não precisa mais que duas gavetas. Do jeito que vai ficar, se morrer
duas pessoas agora, já têm lugar garantido, porque os ossos do Seu Luís (e
apontou um saquinho plástico) vai por cima do caixão recente. A sua bisavó Filomena,
morta há 66 anos, não tem mais nem cabelo, só placa com o nome dela. Com o
tempo, em duas gavetas, cabem mais de dez mortos... Não precisa cada um na sua
gaveta, aqui não tem intimidades.
Nessa
fala de quem administra os restos mortais, foram quebrados muitos paradigmas.
Meu pai, aquele homem corajoso, herói, havia virado um motinho de ossos num
saquinho. E continuou o construtor pós-morte:
-
Enquanto houver obras, os ossos dele ficarão bem guardados, não serão usados
por nenhum macumbeiro.
E
riu.
-
Seu Luís (ele o conheceu em vida) não ia gostar disso.
Há
muitos túmulos que servem apenas para sustentar uma placa, não há mais restos
mortais nele, porque voltaram a ser terra. Mas continuamos a acender velas e
deixar flores.
Lembrei-me
da frase de Jesus Cristo: “Cuidai dos vivos, porque dos mortos cuido Eu”. Este
blogueiro e o construtor de jazigo, dois cabeçudos, teimávamos e não
compreender o Mestre.
*Hélio
Consolaro é professor, jornalista e escritor. Secretário municipal de Cultura
de Araçatuba-SP
Um comentário:
Boa Tarde !...
Xara...
Ótimo...comentário...
E tem gente, que acredita e acha,...que arrogância e a prepotência,esta acima de tudo...
Abçs..
Ninha
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