Muita conversa

Hélio Fernandes de Sousa - Ninha

Hélio Consolaro*

Não sei qual filósofo disse que na política se revela com mais força a tragédia humana. Os defeitos de cada um, que na vida privada passam despercebidos, na vida política ganham dimensões enormes, aparecem com toda a eloquência.

A militância, seja na esquerda como na direita, é cheia de surpresas, trança-pés, rasteiras e coisas parecidas. Necessita-se observar os dois olhos de cada um, porque certamente os dois estão focalizando coisas diferentes.

Como niilista, não desanimo, porque sei que o ser o humano é essa porcaria mesmo, e, na política, essa porcaria ganha dimensões fantasmagóricas. Já que o mundo é assim, eu não valho nada, os outros também, então, foda-se. Apenas não vou contribuir para que o lamaçal cresça tanto, que ele seja pelo menos chafurdável. O bom disso é que não me frustro, acabo fazendo humor da situação.  

A rua da minha casa é privilegiada, é um jardim, Jardim Brasil, nome do loteamento. Na década de 80, morou um vereador, este croniqueiro; de 2009 a 2012 moraram nela dois secretários municipais: este blogueiro (Cultura) e Beatriz Nogueira (ex-secretária de Educação). Agora, ela é endereço do secretário municipal de Cultura, este escriba, e da vereadora Beatriz Nogueira.

Dividimos a rua em dois trechos: das ruas Marcílio Dias até a Saldanha Marinho, ela cuida (está um brinco); da Marcílio Dias até av. Valdemar Alves, cuido eu (estava um relaxo).

A vizinhança começou a reclamar:

- Pra que ter secretário que mora na nossa rua, se não tem benefício algum! O prefeito consertou o asfalto de toda a cidade e largou justamente essa pra trás. A de cima, a de baixo, a dos lados, todas foram arrumadas, mas a Jardim Brasil foi abandonada... Esse secretário não manda nada! Está sem prestígio!

Resolvi parar com tal converseiro. O lema de servir em vez de se servir foi abandonado. Engrossei a voz, e a Prefeitura deu uma garibada no asfalto do trecho.

A equipe da Sosp veio subindo, sob o comando de Paulo Nunes, tapando os buracos, quando chegou defronte à minha casa, ao lado de uma igreja evangélica, a equipe da caprichou, praticamente recapeou o trecho, porque o asfalto estava realmente em pior estado.

Depois de alguns dias, ao andar a pé pela rua, ouvi cochichos:

- No nosso trecho, fizeram um tapa-buraco mixuruca. Defronte à casa do secretário, recapearam. Olha o privilégio...

Fiz ouvidos moucos, segui em frente. Fazer o quê? Dizem que a voz do povo é a voz de Deus...E não é bom brigar com Ele.

Eu estava na secretaria de Cultura, quando foi anunciada a portaria anunciou a presença do Ninha pelo telefone – presidente da sociedade de amigos de meu bairro, querendo falar comigo:

- Professor, vim aqui dizer que sua rua foi arrumada graças à minha intervenção! Eu lutei para que tudo acontecesse... Apertei a Sosp, falei com o secretário Sandro...

Sorri, como se estivesse acreditando. Era muita conversa para pouca coisa. Política é isso, um converseiro danado.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Secretário Municipal de Cultura de Araçatuba-SP