Hélio Consolaro*
Luísa
Mell, uma das mais notórias defensoras dos animais no Brasil, convocou pelas
redes sociais uma manifestação contra o Instituto Royal, que realiza pesquisas
científicas com cães da raça beagle; o protesto fechou a Rodovia Raposo
Tavares, teve a participação de black blocs e terminou com carros da imprensa e
da polícia incendiados; para a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência,
foi um ato marcado pela ignorância
Já
li que o respeito pelos seres humanos se mede pelo grau de respeito que temos
pelos animais, mas eu sou um carnívoro, não posso hipocritamente apoiar os defensores
intransigentes dos animais. Não sou aquele vegetariano que diz:
-
Já que mataram o bicho, eu como a carne.
Não
cheguei ainda à conclusão se o ser humano é bom por natureza ou ele se torna
mal pelo convívio social. A minha tendência é ficar com a primeira hipótese,
somos feras, e todos os animais estão contidos em nós, sob forma de camadas. Sou
meio machadiano, niilista, tenho pejo em dizer que o ser humano foi criado à
imagem e semelhança de Deus. Que pretensão!
Se
somos feras, não há como não se alimentar de outro animal. Afinal, há uma
cadeia alimentar. Alguns até defendem a lei do mais forte, ou do mais
inteligente. O capitalismo está alicerçado nesse princípio.
Li
um sujeito que escreveu uma carta em jornal, indignado com o protesto, dizendo
se tais manifestantes não tomam algum remédio que foi primeiramente testados em
animais. A pergunta dele incomoda.
Não
posso negar que Luísa Mel, a líder dos protestantes, me fez pensar numa série
de coisas. Até me lembrei de um papo entre médicos, quando disseram que nos cursos
de medicina, os estudantes não dissecam mais animais, nem manipulam cadáveres
humanos. Fazem isso em imagens virtuais.
Um
dos profissionais mais velhos da roda se perguntava:
-
Como? Por isso é que os médicos novos estão tão despreparados... Não querem nem
tocar no paciente!
Há
gente pra tudo neste mundo. Eu morei com um ecochato, em república. Ele não
varria debaixo da cama, porque tal ato tiraria a oportunidade de vida das
pulgas. E há as mulheres que não se depilam de tão naturebas.
Então,
caro leitor. Há gente exagerando na dose.
*Hélio
Consolaro é professor, jornalista, escritor. Secretário municipal de Cultura de
Araçatuba-SP
Um comentário:
Certa feita, a convite de um grande amigo, fui almoçar com ele no seu sítio. Fez uma ressalva, um espécie de vegetariano. A esposa sorriu, orgulhosa. Carne, de jeito nenhum. Uma farta mesa, peixe à vontade. Era de seu criame, um belo e organizado açude. Nisso, chegou o capataz, um balaio (alqueire) pelo meio de peixe. Marido. Interrompeu-se por momentos a refeiçaõ, e fomos até o barração, o casal todo orgulhoso a me falar de sua piscicultura. Coitados, os peixes se debatiam, iam morrendo aos poucos, asfixiados por estarem fora de seu lugar de costume. Num ímpeto, falei, ao reiniciarmos a refeição: "Sabem que perdi o apetite?". Entreolharam-se, surpresos. "Como somos selvagens, viram só o sofrimento deles?" - acrescentei. Nunca mais fui convidado a retornar ao sítio, e os contatos rarearam de vez. Bié.
Postar um comentário