Gabriel Priolli*
Eugenio Bucci contesta hoje no Estadão a ideia de que a
imprensa atua como “partido de oposição”. Argumenta que essa ideia não causava
preocupações enquanto parecia restrita a defensores irracionais dos projetos
petistas, mas começa a tomar proporções preocupantes, agora que o próprio
governo e lideranças do PT ecoam a mesma crítica.
“Numa sociedade democrática, relativamente estável e
minimamente livre, os jornais vão bem quando são capazes de fiscalizar, vigiar
e criticar o poder. O protocolo é esse. A normalidade é essa”, diz Eugenio,
expressando o credo básico do jornalismo liberal. “Logo, o bom jornalismo pende
mais para a oposição do que para a situação; a imprensa que se recusa a ser
vista como situacionista nunca deveria ser atacada”, julga ele.
“Nossa imprensa, convenhamos, é preponderantemente de
direita e, muitas vezes, apresenta falhas de caráter, algumas inomináveis, mas
nunca se perfilou com a organicidade de um partido político”, observa Eugenio.
Para ele, a imprensa não se articula nos moldes de um partido porque não segue
comando centralizado, não se submete à disciplina que os partidos impõem aos
filiados e não renunciou à função informativa “para abraçar o proselitismo
partidário”.
Bucci acredita que a crítica ao partidarismo da imprensa
está assentada “em bases fictícias, completamente fictícias”. Mas ela cumpriria
uma função política. “Na falta de uma oposição de verdade que pudesse servir de
vilã cruel, na falta de um satanás mais ameaçador para odiar (a ‘herança
maldita’ de FHC não funciona mais como antagonista imaginária), querem fazer
valer essa ficção ufanista de que o País vai às mil maravilhas, só o que
atrapalha a felicidade geral é esse maldito partidarismo da imprensa”.
Confesso que sinto um considerável desconforto quando vejo
Eugenio se referir ao petismo com essa alteridade impossível para quem, como
ele, foi militante do PT a vida toda e funcionário em elevado cargo de
confiança no Governo Lula. Mas o que interessa são os argumentos do colega e
amigo, e se discordo deles, cabe rebatê-los.
Primeiramente, observo que a imprensa não é criticada por
converter-se formalmente em partido político, algo que, mesmo querendo, lhe
seria impossível. A imprensa é criticada por agir partidariamente, por ter como
único foco de crítica o PT e sua aliança governista federal, e por pautar o
discurso e as ações dos partidos de oposição contra o governo petista. Desde
Lula e agora sob Dilma.
Estão de tal forma sincronizados o noticiário da imprensa e
as iniciativas do conglomerado PSDB-DEM-PPS, ambos alimentando-se mutuamente,
que é dispensável qualquer organicidade partidária da mídia. Na verdade, mídia
e oposição são faces inextrincáveis da mesma moeda, não existem mais
separadamente. Fazem as mesmas críticas e defendem o mesmo receituário para os
problemas do país, a ponto de certos parlamentares converterem-se em meros
ventríloquos de conceitos exarados em editoriais e colunas de opinião. Ou
vice-versa.
Mas é no plano estadual e
municipal que se observa melhor como o empenho fiscalizador da imprensa
aplica-se tão somente a gestões do PT. Erundina, Marta, Benedita, Olívio,
Tarso, Jacques Wagner, qualquer governante petista sempre enfrenta o máximo
rigor no julgamento de suas ações. Agora mesmo, Haddad está sob intenso fogo de
barragem.
Já para os governos tucanos ou assemelhados, o que a
imprensa oferece é pouca cobrança e muita condescendência. Haja vista tão
somente o caso do Cartel do Metrô, falcatrua que envolve valores dez vezes
maiores que o Mensalão, mas que está longe de ser tratada como “o maior
escândalo de corrupção do pais”. Aliás, está longe de ser minimamente
noticiada.
É nítido e insofismável que a imprensa opera com dois pesos
e duas medidas. Que demoniza governos populares, mas não governos
conservadores. Que carrega nas tintas e dramatiza qualquer irregularidade que
envolva petistas, mas diminui, relativiza ou esconde os “malfeitos” de
opositores dos petistas. Que não perde a menor oportunidade de jogar no colo do
PT problemas que não foram criados por ele, como ocorre nesse instante, na
cobertura da Máfia dos Fiscais paulistanos.
Portanto, são reais, completamente reais, as bases da
cobrança ao “partidarismo” da imprensa. Não se trata da doença infantil do
esquerdismo manifestando-se contra uma valorosa ferramenta da democracia, senão
da ressurgência e agravamento da doença crônica do sectarismo na mídia,
comprometendo a própria saúde da democracia.
O Brasil não vai às mil maravilhas, certamente, embora haja
muito do que ufanar-se, nas conquistas de anos recentes. Mas o país não
consertará seus problemas nem avançará com o auxílio dessa imprensa parcial,
manipuladora e retrógrada, que sabe ser muito combativa quando lhe interessa e
frequentemente omissa quando interessa a toda a sociedade.
*Gabrieli Priolli é jornalista, diretor de televisão e educador
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