Por Carla Matsu e Luana Scxhabib
13 de dezembro de 2013
revista BRASILEIROS
Eles são 55 milhões de
brasileiros, entre 18 e 33 anos. A reportagem de capa da edição de dezembro
fala desses jovens que levam a sério a ideia de felicidade, principalmente no
trabalho
É o tempo de quem não sabe o que quer e, na dúvida, faz tudo. É o tempo de quem nasceu com a possibilidade de se conectar a um mundo ligado por cabos de fibra óptica, pela cultura pop, economia e informação on demand. Este é o tempo do instantâneo, da superexposição, do tutorial, da gameficação e, ao mesmo tempo, da individualidade e do narcisismo. Não à toa, o dicionárioOxford elegeu, em 2013, selfie como o termo do ano, para as fotos tiradas de si mesmo e publicadas nas redes sociais: eu e meu prato de comida; eu o meu look do dia; eu e meu ciberativismo. Eu, eu, eu. Eu e o mundo, o meu mundo.
As tecnologias tornaram acessíveis conhecimento. A partir da internet, que teve sua oepração comercial liberada no Brasil em 1995, tudo passou a ser possível: aprender a tocar piano ouvindo Bach no YouTube; descobrir informações que levam ao mapeamento de células cancerígenas; se divertir no site Buzzfeed com uma lista de imagens de gatinhos fofos; ou reunir pelo Facebook uma multidão de jovens para protestar em praça pública. Essas são algumas circunstâncias em que foram criados os millennials, jovens que nasceram entre 1980 e 1995 e estão enquadrados na Geração Y. A diferença entre eles e as gerações anteriores é justamente o fato de estarem totalmente inseridos no contexto das transformações sociais e tecnológicas que levaram à popularização da internet e suas consequências sociais — as demais precisaram correr atrás e continuam precisando para se inserir na contemporabeudade. Ou seja, há muito o que aprender com esses jovens — e o tempo todo.
Carla Matsu e Luana Schabib, repórteres que assinam este texto, nasceram em 1986. Para encontrar respostas, direções e inquietações sobre a geração delas, conversaram com especialistas em internet e pessoas ligadas a institutos de pesquisa, além de sete millennials com histórias inspiradoras (que você acessa ao clicar em suas fotos). A primeira conclusão é: a geração Y está com a faca, o queijo e um smartphone na mão.
#VEMGENTE!
Dependendo para quem for feita a pergunta, a Geração Y é a que nasceu a partir de 1976 até meados dos anos 1990. Mas o recorte desta reportagem abrange, por questões estatísticas, quem nasceu entre 1980 e 1995. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que somos 201.032.714 brasileiros, algo em torno de 80 milhões de millennials. No Brasil, a geração anterior, a X (nascidos entre 1965 e 1980), vivenciou o que se passou a chamar de “década perdida”: tempos de crises econômicas, final da ditadura militar, descobrimento da AIDS. Já os jovens desta geração se viram em um contexto de maior estabilidade, segurança e prosperidade: Plano Real e governo Lula. E 79% desses brasileiros jovens acreditam que o País é influente no cenário global, de acordo com a pesquisa8095 (anos referentes à Geração Y), feita pela Edelman, multinacional de relações públicas.
De lá para cá, já passamos pelos primeirosdownloads, músicas por torrent, acesso discado da meia-noite às 5 horas da manhã (contava como um pulso só, lembra?), salas de bate-papo, aprendizado de inglês jogando videogame, Orkut e o apogeu das redes sociais.
Até aqui ok. Ao se debruçar sobre essa parcela de jovens, é preciso lembrar o contexto em que cresceram, além de outro fator determinante: eles são filhos de uma geração de pessoas que, ao atingirem a idade para entrar no mercado de trabalho, as possibilidades estavam mais direcionadas a “garantias” financeiras. Estabilidade significava salário fixo e crescente. Ser médico, advogado ou engenheiro era o que se esperava para um jovem daqueles tempos.
Com o equilíbrio financeiro que conseguiram, depois de muitas vezes terem se privado de lazer, alguns desejos e vontades para seus filhos foram internalizados e projetados. Esse cenário permitiu aos jovens de agora a liberdade e a poesia de poderem escolher a vida que sonharem.
– O que você quer ser quando crescer, filho?
– Astronauta, não, artista, não, rockstar, não, médico, não! Eu quero ser feliz, pai…
– Claro filho, você pode ser o que você quiser.
#TRABALHO=FELICIDADE
Para essa garotada, a felicidade importa, sim, e o tempo todo. Se ela sempre foi um objetivo ao longo das gerações, a partir da Y o sentimento é cultivado como valor que deve permear todas as instâncias da vida, inclusive o trabalho. A ideia é que, se somos aquilo que fazemos, logo é preciso ser feliz ao fazê-lo. Essa circunstância tem gerado bons frutos, gente que trabalha com prazer e gera propostas surpreendentes.
“Talvez pela ausência dos pais, que trabalham o dia todo, os jovens de hoje entenderam que essa qualidade é um fator importante na vida profissional”, afirma André Laizo dos Santos, 33 anos, consultor e gerente técnico da Felipelli, empresa nacional de desenvolvimento organizacional. Em sua dissertação de mestrado (A Geração Y nas Organizações Complexas: Um Estudo Exploratório sobre a Gestão dos Jovens nas Empresas), Laizo defende que o diálogo entre jovens e empresas precisa ser mediado por uma figura importante: o gestor. É ele quem deverá compreender as demandas de ambas as partes e deixar bem claros os valores institucionais de uma empresa.
Por outro lado, o mercado de trabalho começa a entender que essa geração não vê empecilhos para mudar de emprego. A hesitação de antes agora cede espaço para uma inquietação, em que jovens deixam seus empregos ao perceberem sinais de estagnação (e, consequentemente, infelicidade). Assim, está ficando mais complicado reter talentos.
Um estudo divulgado em setembro pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostra que os trabalhadores mais jovens perdem o emprego mais frequentemente do que os mais velhos. Em média, sete em cada dez trabalhadores desligam-se de seus postos de trabalho ao longo de um ano. A taxa de desligamento entre os mais velhos fica em torno de 41,3%. Mais: cerca de 65% dos millennialsbrasileiros afirmam que possuir o próprio negócio é um dos maiores objetivos de vida, de acordo com a Edelman.
Aliás, é essa mesma geração que se mostra mais insatisfeita do que as anteriores porque demanda muito em termos de qualidade de vida. Não adianta só ter um bom salário: a satisfação passou a ser valor prioritário em um contexto em que códigos estão abertos, tutoriais permitem o aprendizado isolado e a cooperação esbarra no narcisismo. Dá para dizer que, assim, a sociedade se estrutura em discursos mais acessíveis, só que mais frágeis — basta um clique para conseguir uma informação, mas não para se aprofundar nela.
#EXPECTATIVAxREALIDADE
Inara Barbosa Leão, 55 anos, doutora em Psicologia Social, é coordenadora do curso de mestrado em Psicologia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). As repórteres foram procurá-la via Facebook: “Professora, os millennials são especiais? Vão mudar o mundo?”. A resposta: “As últimas gerações, que se criaram já no período da reorganização do capitalismo para a ampliação da circulação e do consumo das mercadorias – ou o capitalismo globalizado – é mais narcísica e, na verdade, individualista. A movimentação de pessoas e mercadorias pelo mundo promoveu a ideologia do ‘eu me basto’. As relações sociais são contingenciais, e não necessárias. São estabelecidas para ampliar as chances de alguém ser mais competitivo, se mostrar melhor que os outros. Acredito que os jovens ou são cooperativos por convicção ideológica ou se alienam da realidade social e se centram em si como forma de se cuidar para competir”.
A psicóloga americana Jean Twenge escreve em seu livro Generation Me (sem tradução em português) que essa tamanha insaciedade tem motivo. Seriam jovens que, desde crianças, ouviram a repetida mensagem “você é especial” em publicidades, programas de TV e campanhas de altruísmo, aquelas que dizem “você pode mudar o mundo”. Twenge acredita que essa comunicação direta tem duas consequências: a primeira é a sensação de empoderamento dos indivíduos, e a segunda é que esse mesmo comportamento leva a uma percepção permanente de insatisfação, já que muitas das expectativas alimentadas podem não ser concretizadas. Então, seria tudo uma ilusão? Essas expectativas construídas não passariam de uma ficção criada por um discurso midiático e pelas injeções de autoestima?
Não é bem assim, de acordo com Ronaldo Lemos, 37 anos, diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e do Creative Commons no Brasil (ONG que expande a quantidade de obras criativas disponíveis por meio de licenças de compartilhamento). Para ele, o temor despertado pelos millennials nas gerações anteriores tem muito mais a ver com suas qualidades do que com os defeitos. “Esses jovens são ávidos por informação, capazes de analisar e processar uma quantidade de variáveis antes impensáveis, algo talvez aprendido por meio de videogames e RPGs. São também multitarefas e desenvolvem múltiplas especializações. Entre outras qualidades, está a restauração de valores considerados ultrapassados, como lealdade, colaboração, busca pela construção da coletividade, sustentabilidade e procura constante pelo pertencimento, mesmo que por meio de estratégias precárias, etéreas ou imateriais, viáveis apenas na forma fluída da rede.”
#OUADIAeALEGRIA
Rita Almeida, 53 anos, sócia-fundadora da CO.R Inovação, empresa paulistana de estratégia de marcas, é entusiasta dos novos tempos e perspectivas. É ela quem analisa a angústia que a Geração Y vivencia. “Fazemos escolhas o tempo todo, que costumam deixar para trás uma enorme quantidade de opções. Isso gera frustração. E é desintegrando-se que se organiza, ideia complexa por unir ordem e desordem, a parte e o todo.
É a isso que Zygmunt Bauman dá o nome “modernidade líquida”. Essa garotada é representante desse mundo que gera conteúdos praticamente infinitos, em um exercício constante de ordem-desordem-interação-(re)organização, de forma a encontrar sentido e significado para suas ações e para a vida cotidiana.”
Nesse contexto, o storytelling entra em cena – conceito que vem do cinema para contar uma história, altamente empregado nas relações comunicacionais da atualidade. “É uma linguagem que facilita e conduz a geração atual às suas escolhas, diminuindo as frustrações do que se deixa para trás”, afirma Rita.
Na época dos boomers, por exemplo, para compartilhar uma história era preciso, pelo menos, um jantarzinho para convidar os amigos a assistirem aquela maravilhosa e bem produzida fita VHS de casamento da prima/sobrinha/filha. Era necessário revelar os filmes fotográficos e chamar a mãe para um café para mostrar o quão fofa está Mariazinha. Hoje, jovens (e não só jovens) expõem 148 fotos da última viagem no Facebook e outras redes. Estamos mais expostos, sim, e fazemos isso de forma banal e rápida. A questão é que o narcismo virou hashtag, aquela palavra ou frase prefixadas com o símbolo #. No entanto, a vaidade não é exclusividade dos jovens da Geração Y, afinal o mito de Narciso está aí desde que a mitologia grega começou a narrar o mundo, não é?
“O mais interessante de tudo é que estamos chegando ao momento em que essa geração aproxima-se cada vez mais do poder. Mas trocas de guarda não são novidade. O contraste, desta vez, é que o modus operandi entre a geração mais velha e a que está em cena é radicalmente diferente. A anterior é do planeta analógico, esta, do digital. No Brasil, gerações anteriores a Y foram responsáveis por mudanças e conquistas essenciais para a democracia. A Y, por sua vez, ainda procura encontrar seu lugar no mundo, vencer a insegurança e entender tanto a que veio quanto o que pode efetivamente fazer”, diz Ronaldo Lemos.
Rita Almeida finaliza: “Quem se permite ficar verdadeiramente perto dessa geração, sem medo e de coração aberto para trocar, ensinar e aprender, aprender e ensinar, é quem está conseguindo melhor interagir com esses jovens. Somos parte de um todo, independente de uma geração”.
Já, já serão as repórteres Carla e Luana a lidar com os mais novos que elas, que estão chegando com iPads, Androids, PS4, disposição e liderança, em uma lógica um pouco mais complexa do que a da Y – eles têm menos filtros e, possivelmente, menos limites.
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