AGENDA CULTURAL

5.4.14

Passos de Elis

Vô Consa e sua neta Elis
Hélio Consolaro*

“Meus pés vão pisando a terra
Que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!”
(Cecília Meireles)

Minha neta Elis deu seus primeiros passos e saiu como doida para conhecer o mundo, que é o quintal da casa. Um quintal grande, onde fica também a casa da avó Tieko.

Suas pernas não terão um passômetro, nem todas as estradas da vida existem setas indicativas: siga por aqui. Anda-se a esmo. Há gente especializada em dar rumo à nossa vida, mas isso é discutível.

O ato de começar a andar pode ser banalizado. É normal as crianças andarem depois de um ano de idade, ou até antes. Qual é a novidade? Os pássaros não saem do ninho para voar? Os cadeirantes não pensam assim.

Para o avô coruja, meio cambaio, que já andou muito pelo mundo, por seus próprios passos ou transportado, às vezes, passando pela mesma estrada centenas de vezes, ver a neta dar seus primeiros passos tem um significado poético: é mais uma caminhada que se inicia, porque a do avô se finda. A ontogênese se realizando na filogênese.

Já se tornou lugar-comum dizer que ninguém realiza nada se não der os primeiros passos. Elis não escolhe caminhos, não raciocina, procura apenas as pessoas queridas: papai, mamãe, vovó, vovô, tios e tias. Ela é guiada pelos sentimentos.

Logo, logo, seus passos ganharão a rua, depois a cidade, até conhecer o mundo, onde os perigos da vida são maiores. Como se fosse um pássaro já com a plumagem completa.

Mas a vida é um risco, quem não quiser corrê-lo estará desprezando sua própria existência. A partir do momento que somos expelidos do interior da mãe, estamos expostos. O útero materno é seguro, acolhedor na maioria das vezes. Dizem que a morte é outro parto, mas há um interregno, vivamo-lo com plenitude.

Há gente tão burguesa, tão burguesa que deseja segurança total, um policial à porta de sua casa, sem imaginar que ele pode ser o assassino. A morte é a hora da chegada, o passo final, pular no abismo. O fim justifica o início.

Elis, que seus passos sejam largos numa estrada que você própria vai construir, mas que sua felicidade se realize na vida dos outros para que seus passos sejam em direção do abraço.

*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor. Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP



Um comentário:

HAMILTON BRITO... disse...

...seus passos sejam em direção do abraço. Tá aí.Poetou legal