Vô Consa e sua neta Elis |
Hélio Consolaro*
“Meus pés vão pisando a terra
Que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!”
(Cecília Meireles)
Minha neta Elis deu seus primeiros passos e saiu como doida
para conhecer o mundo, que é o quintal da casa. Um quintal grande, onde fica
também a casa da avó Tieko.
Suas pernas não terão um passômetro, nem todas as estradas
da vida existem setas indicativas: siga por aqui. Anda-se a esmo. Há gente
especializada em dar rumo à nossa vida, mas isso é discutível.
O ato de começar a andar pode ser banalizado. É normal as
crianças andarem depois de um ano de idade, ou até antes. Qual é a novidade? Os
pássaros não saem do ninho para voar? Os cadeirantes não pensam assim.
Para o avô coruja, meio cambaio, que já andou muito pelo
mundo, por seus próprios passos ou transportado, às vezes, passando pela mesma
estrada centenas de vezes, ver a neta dar seus primeiros passos tem um
significado poético: é mais uma caminhada que se inicia, porque a do avô se
finda. A ontogênese se realizando na filogênese.
Já se tornou lugar-comum dizer que ninguém realiza nada se
não der os primeiros passos. Elis não escolhe caminhos, não raciocina, procura
apenas as pessoas queridas: papai, mamãe, vovó, vovô, tios e tias. Ela é guiada
pelos sentimentos.
Logo, logo, seus passos ganharão a rua, depois a cidade, até
conhecer o mundo, onde os perigos da vida são maiores. Como se fosse um pássaro
já com a plumagem completa.
Mas a vida é um risco, quem não quiser corrê-lo estará
desprezando sua própria existência. A partir do momento que somos expelidos do
interior da mãe, estamos expostos. O útero materno é seguro, acolhedor na
maioria das vezes. Dizem que a morte é outro parto, mas há um interregno,
vivamo-lo com plenitude.
Há gente tão burguesa, tão burguesa que deseja segurança
total, um policial à porta de sua casa, sem imaginar que ele pode ser o
assassino. A morte é a hora da chegada, o passo final, pular no abismo. O fim
justifica o início.
Elis, que seus passos sejam largos
numa estrada que você própria vai construir, mas que sua felicidade se realize
na vida dos outros para que seus passos sejam em direção do abraço.
*Hélio Consolaro é professor, jornalista, escritor.
Secretário municipal de Cultura de Araçatuba-SP
Um comentário:
...seus passos sejam em direção do abraço. Tá aí.Poetou legal
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