Hamilton Brito*
Eles trabalhavam em uma biblioteca municipal e entre as suas atividades, estava
a de revisar os textos de escritores que municiavam as páginas de um jornal
local, por deferência deste.
Hamilton Brito |
Dentre os escritores, havia os que escreviam de modo comportado, os moralizantes, aqueles que escreviam sobre flores e passarinhos, sobre as suas infâncias e seus “recuerdos” ; uns escreviam textos mais fluidos e facilmente digeridos pelos leitores e aqueles que eram os eruditos, cujas obras, sem um dicionário do lado, seria impossível lê-las.
E aqueles mais ousados e menos comprometidos com a literalidade e outras “cositas”.
-Eles?
_ Ah! Ele era o professor Benedito Bertholazo, doutor em linguística. Ela, a
secretária, Cleonice Pudera.
Um dia chegou um texto de um colaborador useiro e vezeiro em fazer maluquices.
Ousado e meio sem vergonha, fazia que com ele a atenção dos revisores fosse
dobrada. Pra aprontar, não titubeava.
No texto ele contava a história de um namoro virtual no qual, à certa altura, o
namorado dizia à sua amada que durante as conversas pelo skipe, ele ficava tão
excitado que sentia um certo intumecimento com ligeira perda de líquido
seminal.
-Professor Bertholazo, o que é intumecimento e o que é líquido seminal?
-Intumecimento é ligeiro inchaço.
-Inchaço? O que ficava inchado? E o que é liquido seminal?
-Meu Deus, Senhor meu Pai, vinde e socorrei-me.
-O que ficava inchado Cleonice era o...o..o falo.Você sabe o que é falo?
-Sim, claro que eu sei. É a primeira pessoa do presente do indicativo do verbo
falar.
-Não Cleonice, não é desse falo que eu falo. Eu falo de outro falo...Ah! Deus
do céu.
-Ah! Sei lá que falo é esse...
-Cleonice, você é casada e tem filhos, né?
-Sim professor.
-Então Cleonice, o seu marido fez filhos em você usando o falo que ele tem...
Entendeu, criatura?
-Meu marido não usou falo algum em mim; nossos filhos foram feitos com outra
coisa.
-E afinal, que diabo de líquido é esse tal de seminal?
-Cleonice, vai ficar mais fácil eu te dar as contas; você não sabe o que é liquido seminal?
-Não né, se soubesse estava aqui perguntando?
-Líquido seminal, Cleonice, e o que contém aquele espermatozóide que ganha a corrida.
-Líquido seminal, Cleonice, e o que contém aquele espermatozóide que ganha a corrida.
- Que corrida?
-Aquela que faz com que uma pessoa nasça, Cleonice. Vou pagar os meus pecados com você, Cleoniiiiiiiiiceeeeeeeeeeeeeeee...
-Nunca ouvi falar em líquido seminal.
-Liquido seminal é...é...qual o nome popular do esperma, Cleonice?
-É...é...então, esse mesmo.
_ Ei , não precisa ficar nervosinho, não. Mais educação comigo. Pode guardar o seu arsenal de nome feio.
Bertholazo chamou o autor do texto, deu-lhe uma descompostura, falou-lhe de ética e de moral e que a linha de conduta do jornal não aceitava textos de tal natureza.
Tudo mentira, o que ele não queria era enfrentar dona Cleonice com tais e quais explicações.
Passou-se um tempo só com revisões de textos inodoros , insípidos e alinhados até que , na ordem dos emails, olha um texto do...
-Professor, chegou um texto daquele sujeito.
_Daquele?
-Sim, daquele.
-Vai lendo, o que você não entender, me pergunta.
Passou um breve instante.
-Professor , o que é felatio?
Está marcada para terça-feira da próxima semana a missa de sétimo dia do professor Bertholazo; será na capela do cemitério.
*José Hamilton Costa Brito é advogado, escritor, membro do Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras.
Esta crônica não foi publicada pela Folha da Região porque não atendia à linha editorial do jornal. Como este blog segue os versos de Raul Seixas: "A única linha que eu conheço / É a linha de empinar uma bandeira", a crônica está aí à disposição dos internautas.
3 comentários:
Obrigado...muito.
Amei,Ri pra.....
Manda mais
Hamilton, manda uma do nosso Amigo, Professor que declamava. sempre na nossa turminha, inclusive na minha casa, Ele é o nosso amigo Hei...........
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