AGENDA CULTURAL

8.1.15

NAOUM CURY - E o dia em que o zoo de Araçatuba quase ganhou um casal de elefantes

Jornal O LIBERAL - Araçatuba, 06/01/2015.

Quem passa hoje pelo “Zoológico Municipal Flávio Leite Ribeiro” e tem menos de 30 anos não faz a mínima ideia do que já foi o espaço entre o final da década de 1960 e início da década de 1980. Viviam por lá mais de 1.500 animais, sendo mais de 100 deles carnívoros pesados. O destaque da bicharada eram os felinos, que faziam a alegria da garotada, adultos e dos mais velhos. Nessa época quem reinava absoluto era o leão Yuri - que pesava mais de 400 quilos - a principal atração.

“O urro do Yuri podia ser ouvido a quilômetros de distância”, lembra o comerciante Naoum Cury, diretor do zoológico por 15 anos e o responsável pelos anos dourados desfrutados pelo espaço.

Funcionário do Departamento Estadual de Lepra por 32 anos, depois proprietário da Casa dos Parafusos, o filho de pai libanês nascido em Araçatuba há 86 anos é o maior arquivo vivo das histórias e curiosidades sobre o zoológico, que ele ajudou a fundar junto com o advogado Flávio Leite Ribeiro há 51 anos.

Flávio era advogado dos mais atuantes no Brasil na questão de demandas de terra. Amigo do pai de Naoum, Abrão Cury, Ribeiro sempre gostou de animais e iniciou o “embrião” do futuro zoo na casa dele na Rua Duque de Caxias onde começou comprando aves. Até que um dia uma onça adulta foi capturada na Estância Miranda, uma das mais importantes fazendas do país e perguntou se Naoum queria o bicho.

“Eles levaram para Corumbá (MS), despacharam pelo trem. Era fácil isso (rsrs), e veio. Numa jaula. Aí começou”, lembra.

Casal de elefantes
Certa vez, na década de 1980, Naoum ficou amigo de um húngaro, um dos maiores domadores do mundo, que atuava em um circo que percorria o país e passou em uma ocasião por Araçatuba. Um tempo após o primeiro encontro, o artista voltou a visitar a região e durante um problema com a esposa recorreu ao amigo araçatubense.

“Um dia ele entrou em minha loja: Seu Naoum, por favor, por favor, minha mulher está passando mal”, lembra Cury. A esposa estava grávida. “Eu telefonei para um médico, o Silvério Cazerta, especialista. Emprestei o carro e orientei o casal ir até ele. O médico salvou a criança, que hoje também é uma domadora”.

Algum tempo depois o domador se mudou para o circo Orlando Orfei, um dos mais famosos do mundo. Nessa ocasião ele voltou a entrar em contato com Cury.

“Eu atendi ao telefone, era o domador. Ele disse que o senhor Orlando ia falar. Ele tinha um sotaque forte, italiano: “você tem lugar para dois elefantes aí?, me perguntou. E continou: comprei cinco elefantes na Itália e vou dar pra você uma fêmea de cinco toneladas e meia e um macho de três toneladas”.

Naoum ligou na noite do mesmo dia para o ex-prefeito Waldir Filizola de Morais, vizinho e amigo de escola, e contou a novidade.
“Você ficou louco Naoum?”, falou o prefeito. E Naoum emendou: “Amanhã, quando você chegar na prefeitura, pede para mandar um trator de esteira para fazer um teste no zoológico”. No dia seguinte, de manhãnzinha lá estava a máquina.

Naoum sabia que para ter um casal de elefantes seria preciso construir um recinto especial. “Tinha que ser buraco, nada segura uma elefante, só outro elefante”, disse.

O trator fez a primeira valeta. Quando foi fazer a segunda, começou a brotar água. Era um brejo. Não teve jeito. Então os dois elefantes foram embora, um para Sorocaba e outro para Santos.

Yuri, o leão que o presidente da República mandou vir

A história do zoo começaria pra valer com a chegada de seu personagem principal e lendário: o leão Yuri. Até o presidente da República na época, João Goulart, precisou ajudar.

Um dia, no comecinho da década de 1960, um comerciante japonês, de 1,90 m comerciante de animais no mundo inteiro, veio e ofereceu aves para Flávio Ribeiro. O japonês falava bem inglês e quem serviu de interprete entre os dois foi o amigo Naoum, que dominava o idioma.

“Quando estavam se despedindo, o vendedor falou ao advogado que tinha animais de todos os tamanhos, de rato até elefante. Aí o Flávio falou brincando: eu gostaria de ter um leão e riu. O japonês disse: o que ele falou? Ele falou brincando que gostaria de ter um leão. Passados uns quatro, cinco meses, a televisão mostrou a chegada de um casal de leões ao Brasil. Aí foi um problema danado, não podia entrar no País. Mas como o irmão mais velho do Flávio era embaixador em Lima (Orlando Leite Ribeiro), nós ligamos para o Orlando e ele ligou para o presidente da República. O presidente encarregou alguém para resolver. Então saiu um casal de onças de Belém, para o Japão, para entrar o casal de leões. Um deles veio pra nós", disse.

Mas conforme o leão ia crescendo - à base de vitaminas e calcigenol - foi preciso providenciar um espaço maior então o advogado comprou uma chácara em uma região da cidade, perto de um estádio de beisebol. Mais tarde, o prefeito Silvio Venturoli desapropriou a área onde é o atual zoológico e todos os animais foram transferidos pra lá. Yuri morreu com 12 anos, mas deixou filhos espalhados pelo país inteiro.

A cantina mal falada e a decisão de assumir a diretoria do zoológico

Naoum Cury conta que quando o ex-prefeito João Botelho, conhecido como "João Cuiabano", assumiu, vivia pedindo para ajudá-lo com o zoológico, que segundo ele estava lhe dando “dor de cabeça”. Os dois eram muito amigos. Parte dos problemas se devia à instalação de uma lanchonete que funcionava até altas horas no prédio que é da atual diretoria. Local era (mal) frequentado por bêbados, prostitutas e usuários de drogas.

Naoum sempre recusou os pedidos do prefeito porque tinha os compromissos com a loja. Até que um dia visitou o local à noite e ficou horrorizado com a situação. Bêbados ofereciam álcool aos leões. Foi a gota da d’água para que ele procurasse o prefeito no dia seguinte.

“Eu falei: João, você vive dizendo para que eu assuma o zoológico, né? Agora sou que exijo! Faz uma portaria me dando poderes totais, de comprar, vender, demolir, construir, nomear e demitir !”, lembra Naoum. Detalhe: ele não receberia nenhum centavo como pagamento.

“O prefeito mandou o secretário fazer do jeito que eu queria. No outro dia fui à minha loja, peguei vários cadeados e mandei instalar no zoológico. O guarda perguntou: como vai fazer com a cantina? Eu disse: o horário do zoológico vai até às 17h.” O dono da cantina foi embora.

Outro problema quando ele assumiu era o grande número de funcionários: 42. E pior: a maioria era de pessoas problemáticas, que ao invés de serem demitidos, eram encostados no local. Mas segundo Naoum, além de viciados em álcool, algumas pessoas furtavam materiais e alimentos dos animais. Quando Naoum terminou, ficaram oito pessoas.
"Eu fui pra ficar 30 dias e fiquei 14 anos", conta Cury.

Despedida

Em 85 Naoum deixou o comando do zoológico. Na época, diz ele, o então prefeito Sidney Cinti começou a nomear gente para lá. "Eu disse que não queria e ele falava que estava nomeando para me ajudar".

Dois desses funcionários, lembra Cury, começaram a furtar o combustível do carro do zoológico para colocar nos carros deles. Isso, associado às exigências da loja, fez com que deixasse o comando do zoo. Ele gastava de 4 a 5 mil para manutenção do zoológico, do próprio bolso.

“É uma coisa que eu tinha que fazer. Eu não sou escritor, não sou poeta, não sou magnata que doa R$ 200 mil para a Santa Casa. Então eu vou fazer o que eu gosto. Era minha contribuição para a cidade”.

O segredo do sucesso é aresposta pra realidade atual

Em uma mesma época o zoológico chegou a ter 28 leões, entre adultos e filhotes, 17 onças pretas e pintadas, quatro leopardos, além de ursos. Só de carnívoros pesados eram 105.

O segredo que manteve essa estrutura é a resposta para a situação atual vivida pelo zoo: a alimentação. Para manter essa quantidade de animais, era preciso providenciar muita carne, coisa que a simpatia e os bons relacionamentos de Naoum conseguiam com facilidade.

Amigo de todos os donos dos cinco frigoríficos ao redor da cidade, Naoum conseguia, de graça, carne para manter a grande quantidade de carnívoros. Vinham os bezerros que morriam dentro das vacas mortas no abate. “Tinha dia que mandava buscar duas a três toneladas”. Ele chegou a comprar uma caminhonete do próprio bolso para trazer a carne. Também tinha 22 freezers para estocar o alimento durante a fase em que os frigoríficos suspendiam os abates.

“Hoje em dia não dá. Não dá pra uma prefeitura, que precisa comprar carne pra merenda, ter que gastar dinheiro com carne para alimentar os carnívoros. É muito custo. Muitas pessoas que vão ao zoológico hoje em dia não entendem isso".

Nenhum comentário: